Algumas técnicas para o tratamento do Estado de Ego Pai: Parentalização e Reparentalização. Como utilizamos esses conceitos em nossa prática clínica.

Por José Silveira Passos

Reparentalização é uma técnica, criada por J. L. Schiff, utilizada no tratamento de psicoses. A Reparentalização envolve a total retirada de cathexis do estado de ego Pai e a sua substituição por um novo Pai. O processo de substituição é facilitada pela capacidade que o psicótico tem para retirar a cathexis do Pai que foi originalmente incorporado. Isto se dá pelo fato de tais indivíduos perceberem a si próprios como não possuindo um Pai adequado.

Esta facilidade da retirada completa do Pai, não ocorre com os não psicóticos. O pai originalmente incorporado, nesse caso, fornece um quadro de referência até certo ponto funcional. O que leva a reforçar esta estrutura originalmente incorporada, são as gratificações colhidas através da sua funcionalidade.

Desse modo, o indivíduo terá empenho em preservar esta estrutura, impedindo que seja retirada toda a sua cathexis. Daí o tratamento com os não psicóticos consistir no preenchimento dos pontos em brancos (ou claros) existentes no Pai, através do fornecimento de novas mensagens parentais, que é chamada de Parentalização.

Muriel James e Louis Savary ( Um novo “Eu”) define Auto-reparentalização como segue: “Auto-reparentalização é um procedimento para atualizar e reestruturar o estado de ego Pai. Inclui tanto uma teoria como um processo”, p. 145. Segundo os autores na Auto-reparentalização o indivíduo utiliza de seu novo Adulto fortalecido para desenvolver o comportamento e as mensagens do novo Pai tendo como objetivo melhorar o balanço negativo que o indivíduo por ventura tenha em seu velho estado de ego Pai. Auto-reparentalização é feita pelo próprio indivíduo, enquanto a Reparentalização requer o auxílio direto de um profissional.

Assim sendo, as diferenças básicas são:

– Parentalização – o estado de ego Pai é totalmente descatexado e substituído por novas mensagens parentais. Esta substituição é feita através de influencias externas, ou sejam por uma terapeuta, por exemplo.

– Auto-reparentalização – o estado de ego Pai também é descatexado e substituído por novas mensagens parentais. Só que esta substituição é feita pelo próprio indivíduo. Esta afirmação é feita por James e Savary em Um Novo “Eu”, no capítulo sete: Auto-Reparentalização, p. 145-7.

Utilizamos com maior freqüência, em nossa prática clínica, a Parentalização que consiste na modificação do quadro de referência do cliente, através do fornecimento de ordens Parentais específicas, acompanhadas de definições e das razões necessárias. Na Parentalização é importante que as mensagens parentais fornecidas sejam coerentes com os três estados de ego. Se, por exemplo, as mensagens estiverem incoerentes com os dados de realidade, as adaptações oriundas, delas mesmas, podem não serem gratificantes, e assim sendo, poderá deixar de haver empenho em mantê-las.

No caso da Parentalização, também o cliente poderá usar a fantasia, para ele mesmo, deixar de considerar determinadas mensagens Parentais, neste caso é chamada de Auto-Parentalização. Para que haja uma Parentalização efetiva é necessário entrar na simbiose que é imposta pelo cliente, tendo como objetivo facilitar, através dela, o êxito do cliente em atingir sua autonomia.

Um exemplo prático:

Cliente do sexo feminino, 36 anos, solteira.
Queixa: dificuldade no relacionamento com a sua chefe.
Histórico: Filha mais velha, tem um irmao de 25 anos de idade que atualmente está usando drogas (há suspeita de que está traficando também).

Viveu com os pais até os 19 anos, época em que saiu de casa e foi para a “cidade grande tentar a vida”. Os pais se separaram quando ela tinha 6 anos de idade (atualmente o pai voltou a viver com a mae). Diz que amava muito o seu pai e por isso sentiu muito com a separaçao, pois passou a viver somente com a mae que a cobrava muito. Diz que até hoje nao agüenta olhar para a mae, pois é como se ela tivesse cobrando dela o tempo todo algo que ela nao fez.

Acredita que sua mae nao gosta dela porque ela sempre defendeu o pai. Quando a sua mae falava mal dele ela o defendia. Disse que saiu de casa fugindo e jurou que nunca mais iria voltar a morar com a mae. Até hoje apenas se falam, mas guarda muita mágoa dela.

Afirma ter lutado muito para sobreviver sozinha e para terminar os seus estudos. Há dez anos trabalhou como professora e há tres foi aproveitada no (……) como acessora de diretoria em uma instituiçao ligada r Secretaria de ……. Diz que quando começou seu trabalho como acessora, se dava maravilhosamente bem com sua chefe. Sua chefe é uma senhora de 65 anos de idade, solteira, sem filhos e mora sozinha. Disse que encontrou nela uma mae que nunca teve. Disse que na maioria das vezes passavam o final de semana juntas, passeando, viajando, etc. Era como se fosse da família.

Tudo começou quando ela arrumou um namorado e confidenciava para ela (chefe) tudo o que acontecia na relaçao com ele. A partir de determinado momento começaram a se desentender. Sua chefe começou a dar palpites em sua vida… começou a nao lhe dar atençao… notava que ela a tratava friamente. Começou a fazer de tudo para reverter a situaçao. Até terminou o namoro, mas nao adiantou nada. Sua chefe cada vez mais a ignorava. Reclama que atualmente faz de tudo no trabalho para ser reconhecida, pelo menos como boa profissional que é, mas sua chefe está cada vez mais distante dela, só faz criticá-la. “Disse outro dia que eu estou doente e que precisava me tratar. Fiquei uma arara com ela”, comentou a cliente.

Disse que ultimamente está completamente sem ânimo para fazer as coisas, sente-se muito só, nao tem namorado e nem amigos. Fica angustiada com tudo isto. Diz que nao sabe mais o que fazer para reverter a situaçao com a sua chefe e ao mesmo tempo sente muita pena dela, pois ela é uma senhora sozinha…

Disse ter dificuldades em gostar de seus namorados. Começa tudo bem, dali a pouco… vai ficando de saco cheio e termina. Normalmente é ela quem toma a iniciativa de terminar o namoro.

A cliente, apresentava inicialmente um pensamento confuso e um profundo sentimento de desconforto com a situaçao entre ela e sua chefe. Buscava compensar isto fumando e bebendo desesperadamente, freqüentando locais agitados como boites localizadas em zonas de prostituiçao, shows de travestis e lésbicas, etc.

Em seu trabalho vivia “correndo” de um lado para outro, mas na realidade nao produzia quase nada de concreto. Ficava claro que grande parte de suas atividades era sem propósito, sem um objetivo aparente. Tais atividades evidenciava um Comportamento Passivo de Agitaçao que estava sendo usado na tentativa de defender a simbiose contra a ameaça de rompimento pela sua chefe.

Este Comportamento Passivo de Agitaçao estava na eminencia de se transformar em um Comportamento Passivo de Violencia, pois a cliente relatou que chegou a “explodir” algumas vezes em seu trabalho, faltando muito pouco para “esganar” quem estivesse em sua frente, Chegou inclusive a chutar a parede, quase fraturando o dedo do pé.

Após a descontaminação do Adulto e algumas Redecisões da Criança, em uma determinada sessão de terapia disse ter vontade de ir à boite para dançar e se divertir muito, porém, sem tomar bebida alcoólica para tal. Disse que só consegue dançar e se divertir depois de tomar alguns chopps ou alguma outra bebida que a deixa descontraída. Fora disso, se sente envergonhada e até ridícula, por isso não se atreve a fazer isto de “cara limpa”. Colocamos três cadeiras representando os três estados de ego Pai, Adulto e Criança. Pedimos que ocupasse a cadeira correspondente ao Adulto e juntos buscamos verificar quais mensagens contidas em seu estado de ego Pai estavam impedindo sua Criança de dançar e se divertir.

Após algum tempo ela se deu conta de uma mensagem parental e assim a descreveu: “Como uma pessoa desajeitada como você poderá dançar?”, “além do mais você é muito feia para ficar aí se rebolando na frente das pessoas”. Ainda na cadeira do Adulto, discutimos as mensagens acima e concluímos tratar-se de mensagens “depreciativas de sua aparência física”. O perguntamos a cliente que mensagens ela precisava para ter no lugar de “desajeitada e feia” para que ela pudesse dançar e se divertir. Após alguns minutos chegamos a algumas mensagens que seriam adequadas.

Solicitamos que sentasse na cadeira do Pai e dissesse essas mensagens à sua Criança com voz firme e protetora de uma maneira direta e clara. Após isto, pedimos que a cliente ocupasse a cadeira da Criança e perguntamos: você está convencida do que o Pai acabou de falar? A cliente respondeu que não estava muito certa… ” o Pai disse que eu sou atraente… eu não sei bem se é verdade…”Pedimos que ela novamente ocupasse a cadeira do Pai e perguntamos: o que é que você pode fazer para que a sua Criança acredite no que você está dizendo? Respondeu que estava perdendo tempo com isso… Achava que não poderia…

Sugerimos novamente que voltasse à cadeira da Criança e perguntamos: do que você precisa para acreditar no que o seu Pai está dizendo? Após algum tempo, respondeu que não sabia. Acrescentou que seu pai nunca disse estas coisas para ela. Não se lembrava de ter visto o seu pai dizer coisas parecidas, nem para ela e nem para ninguém.

Decidimos então, mudar um pouco o procedimento. Pedimos que a cliente se sentasse nas almofadas, de maneira confortável. Dirigimos em seguida uma viagem de fantasia, onde ela tivesse um encontro com uma criança de aproximadamente cinco anos de idade. Nesse encontro ela deveria identificar, através da expressão do rostinho da criança, o que ela (criança) mais necessitava, quais eram as suas carências, etc. Quando tivesse identificado, pedimos que desse a essa criança o que ela estava necessitando, abastecesse a criança com as carências que havia identificado. Após isto, pedimos a cliente que aos poucos, na medida do possível, fosse colocando aquela criança no colo e junto ao seu peito de modo que pudesse abraçá-la… e aos poucos fazendo com que a criança fosse sendo introjetada para dentro de si.

Após o término da fantasia, pedimos que a cliente voltasse novamente ocupar a cadeira do Pai e repetisse o que havia dito para a Criança da primeira vez. Desta vez ela foi mais convincente e mais protetora que a sua Criança não teve dúvidas e acreditou no que o Pai estava falando.

Na sessão seguinte a cliente contou que havia ido à boite no final de semana, tinha se divertido muito. Disse ter tomado vários chopps, mas desta vez depois de ter dançado bastante, ou seja, percebeu que podia beber quantos chopps quisesse, por que queria beber, mas não para poder dançar.

Neste exemplo utilizamos a técnica das cadeiras musicais de Edgar C. Stuntz (Multiple Chair Technique) e a fantasia dirigida para a realização da Parentalização. Na utilização da técnica das cadeiras musicais para Parentalização, os três P (Proteção, Permissão e Potência), tanto veio do terapeuta como também da cliente, o que torna a terapia mais efetiva nosso entender.

Bibliografia:

1 – Stuntz, E., Multiple Chair Technique, Transactional Analysis Journal, v. 3, v. 2, 29- 33, 1973.
2 – Caracushansky, S. Curso Avançado de AT de Base Psicanalítica, Editora Assertiva, São Paulo.
3 – James, M. e Louis Savary, Um Novo “Eu”: autoterapia pela Análise Transacional – São Paulo – IBRASA, 1982.