As Oito Operações (ou Intervenções) Terapêuticas de Eric Berne
Por José Silveira Passos
Eric Berne (Introducción al Tratamiento de Grupo), o criador da Análise Transacional (AT), dividiu as técnicas que integram a sua teoria em oito categorias e as denominou de Operações Terapêuticas. Segundo o autor, estas operações obedecem a uma certa ordem lógica, que pode passar por modificações de acordo com as necessidades observadas durante a prática clínica.
A ordem tradicional é:
1 – Interrogação; 2 – Especificação; 3 – Confrontação; 4 – Explicação; 5 – Ilustração ; 6 – Confirmação; 7 – Interpretação; e 8 – Cristalização.
Estas operações, de uma maneira geral, são de dois tipos: Intervenções e Interposições.
As Intervenções são as operações terapêuticas que têm por finalidade interferir no conflito entre dois estados de Ego. São elas: Interrogação, Especificação, Confrontação e Explicação.
As Interposições são as operações terapêuticas que têm por finalidade interpor algo entre dois estados de Ego, tendo como meta reforçar as fronteiras entre eles. São elas: Ilustração, Confirmação, Interpretação e Cristalização.
1 – Interrogação: a interrogação é utilizada quando o terapeuta necessita destacar determinado ponto que possa ser importante para a direção dos trabalhos clínicos. Exemplo: “você realmente fez isto?” Desse modo, o cliente será convidado a energizar o seu estado de Ego Adulto e pensar a respeito do que está sendo interrogado. Este procedimento, neste ponto, assemelha-se à Confrontação, auxiliando o terapeuta a direcionar o processo terapêutico.
Na Interrogação, o estado de Ego Pai do cliente poderá entrar em cena com julgamentos, preconceitos, negações ou estereótipos, convidando o terapeuta a unir-se a ele com o objetivo de distraí-lo ou, ainda, buscando negar de modo extremado o ocorrido. O estado de Ego Criança do cliente poderá dizer a verdade de modo submisso ou queixosamente. Poderá também, tentar enganchar o terapeuta em jogos, dando respostas aproximadas, tangenciando, mentindo, etc.
Indicações: utilizar a Interrogação somente se estiver seguro de que o cliente irá responder com o estado de Ego Adulto. A Interrogação poderá ser utilizada, também, para verificar com que estado de Ego o cliente responderá a uma pergunta direta.
Contra-indicações: quando houver a probabilidade do cliente responder com o estado de Ego Pai ou Criança.
Cuidados: é conveniente não tentar obter mais informações do que o necessário, pois correrá o risco de ser iniciado um Jogo Psicológico: “História Psiquiátrica”.
2 – Especificação: trata-se aqui de uma declaração que parte do terapeuta com a finalidade de classificar uma informação. A especificação pode ser feita de modo assertivo, como por exemplo: “Então você sempre quis ter um carro importado”. Também pode ser feita de maneira informativa: “Um carro importado custa mais do que você ganha em três meses no seu trabalho atual”.
O objetivo da Especificação é fixar uma informação na mente do terapeuta e do cliente, de tal modo que seja possível recorrer a ela mais tarde, em outras Operações Terapêuticas mais decisivas. Os efeitos da Especificação sobre o cliente são semelhantes aos da Interrogação. Uma reação típica do estado de Ego Adulto do cliente à Especificação poderia ser: “Isto parece interessante, não tinha percebido”. Uma reação do Pai seria mais ou menos assim: “Isto é ridículo!”. Ao passo que uma reação da Criança seria: “Você acertou novamente” ou então: “Não exatamente. .. eu diria…”.
Indicações: quando o terapeuta suspeitar que o cliente poderá negar que havia dito algo ou quando o terapeuta tem em mente explicar alguma coisa logo em seguida. A Especificação poderá ainda ser usada como preparação para a Explicação.
Às vezes, a Especificação pode ser usada para verificar se o cliente está tentando trapacear o terapeuta ou para testar até onde o terapeuta poderá chegar sem assustar a sua Criança.
Contra-indicações: quando perceber que a Especificação poderá assustar a Criança do cliente.
Cuidados: não especificar nada que não tenha sido dito pelo cliente, pois isto poderá tornar-se um convite ao Jogo Psicológico: “Psiquiatria, variante tipo Psicanalítico”
3 – Confrontação: na confrontação, o terapeuta recorre à informações obtidas e especificadas anteriormente para desconsertar o Pai, a Criança e o Adulto contaminado do cliente e denunciar uma incongruência.
Indicações:
– Quando o cliente estiver jogando “estúpido”;
– Quando estiver óbvio que o cliente está enganando a si mesmo ou engabelando o terapeuta;
– Quando estiver certo de que o cliente não é capaz de perceber por ele mesmo uma incongruência;
– Eventualmente, o cliente joga estúpido insistentemente para forçar o terapeuta a confrontá-lo e auxiliá-lo a descobrir algo.
Nestes casos, a confrontação também é indicada.
Contra-indicações:
– Quando a informação não foi especificada anteriormente;
– Se correr o risco de se sentir mais esperto que o cliente. Se isto ocorrer, é possível que o terapeuta tenha mordido a isca de um jogo psicológico.
Cuidados:
– Não fazer a confrontação iniciando-a com “mas” do Pai. Quando isto ocorrer é possível que o cliente tenha manobrado com mais habilidade que o terapeuta;
– Não confundir a confrontação com o jogo “Crítica” (“você me diz o que sente e eu lhe direi o que há de errado com seus sentimentos”);
– Fazer a confrontação no momento oportuno. Uma confrontação mal feita ou feita em momento inoportuno, tenderá a reforçar o estado de ego inadequado, que estava no comando da personalidade, em virtude do desequilíbrio psíquico. O impacto da confrontação tende a reorganizar a distribuição de catexia.
4 – Explicação: a Explicação é usada pelo terapeuta com o intuito de reforçar, descontaminar ou reorientar o estado de Ego Adulto do cliente, fornecendo r exemplos como: “Você pode perceber, portanto, que quando você teme que sua Criança entre em ação, seu Adulto cede lugar a seu Pai que passa a tomar conta de você e aí você grita com as crianças”.
O cliente poderá utilizar um dos três estados de Ego em resposta a uma Explicação. Poderá reagir utilizando o seu estado de Ego Pai para impedir que o terapeuta chegue até ele, como provavelmente fazia com os seus pais, quando criança. Seria uma resposta mais ou menos assim: “Por que meus filhos têm que se comportar desse jeito?”. Uma resposta de Adulto poderá ser utilizada fazendo aflorar o pensamento e o uso de sua inteligência, com por exemplo: “Isto parece fazer sentido”. Uma resposta do estado de Ego Criança poderá aparecer em forma de intelectualização: “Tenho que explicar isto para o meu marido”.
Indicações: a qualquer tempo em que o cliente estiver adequadamente preparado e o seu Adulto estiver escutando. Pode também ser usada, às vezes, quando o cliente titubeia entre os Jogos e a aceitar a responsabilidade sobre a situação, principalmente se o tema em questão é afeto a algum dos interesses intelectuais do Adulto.
Contra-indicações: não deve ser utilizada se o cliente estiver se colocando na defensiva, fazendo Jogo do tipo “Sim, mas…”, se perceber que ele está tangenciando, como por exemplo: “Não são crianças, são adolescentes” ou, ainda, se o cliente está buscando criar armadilhas, dizendo: “Ah! você disse ontem…”.
Cuidados: a explicação deve ser concisa, com enunciado simples, pois se assim não for, o terapeuta poderá correr o risco de entrar em um Jogo Psicológico: “Psiquiatria, variante do tipo Transacional”.
5 – Ilustração: a ilustração é uma piada similar ou comparativa, que se segue a uma confrontação bem sucedida. Classificam-se em: mediatas, remotas, externas e internas.
Indicações:
– Após uma confrontação bem sucedida, com a finalidade de reforçá-la e suavizar seus possíveis efeitos indesejáveis;
– Imediatamente após uma confrontação bem sucedida em que o cliente expressa um riso de entendimento. Neste caso, é provável que a ilustração provoque mais risos, fazendo com que haja maior liberação de catexia que antes estava imobilizada para manter a incongruência, auxiliando a reorganização da parte da personalidade do cliente que se pretende focalizar;
– A qualquer tempo, após uma confrontação bem sucedida, visando um impulso adicional à confrontação original na direção em que o terapeuta deseja;
– Quando o terapeuta estiver certo de que o Adulto do cliente esteja ouvindo, que a Criança Livre expressiva esteja atenta, que o Pai não assumirá o controle da situação e, principalmente, que a ilustração seja percebida de imediato como relevante e relacionada com a confrontação feita anteriormente com sucesso;
– Eventualmente, a ilustração pode ser usada para demonstrar que sisudez não é sinônimo de boa terapia ou ainda para testar o progresso de um cliente.
Contra-indicações:
– Quando o terapeuta não possuir habilidade técnica suficiente no manejo das ilustrações internas (terapeutas iniciantes). Tais ilustrações exigem uma habilidade técnica e uma capacidade de juízo consideráveis, pois constituem transações diretas com outro cliente ou outros clientes a quem se faz a referência. Segundo Berne (Introducción al Tratamiento de Grupos), isto representa um elemento de economia de potência terapêutica. Assim sendo, devem ser oportunas, tanto para o cliente com quem o terapeuta fala diretamente, como também para os clientes mencionados indiretamente.
Exemplo: se o confrontado foi João, pode dizer-lhe que és como Antônio (certamente Antônio estará ouvindo), ou poderá introduzir uma mudança e dizer a Antônio que ele é como João, ou ainda poderá dirigir a todo o grupo para fazer uma referência impessoal à João e Antônio. O autor diz ainda que se pode fazer um refinamento adicional, como por exemplo, dizer a João que Antônio é como ele. Logo, a ilustração interna, neste caso, é desaconselhável ser feita pelo terapeuta iniciante para não correr riscos desnecessários;
– Com a finalidade de consertar uma confrontação mal feita anteriormente;
– Quando todos os clientes do grupo não estão preparados para ouvi-la;
– Com a finalidade de mostrar-se esperto ou por vaidade;
– Com clientes com o estado de Ego Pai literal (tipo paranóide, por exemplo) ou que interpretem as palavras ao pé da letra ou, ainda, com uma Criança que esteja buscando justificativas para sentimentos desagradáveis.
Cuidados:
– É aconselhável que o terapeuta iniciante adquira primeiro habilidade com as ilustrações externas para depois iniciar com as ilustrações internas, devido a complexidade destas;
– As ilustrações devem ser humorísticas e não jocosas, além disso, devem ser simples de tal modo que possam ser entendidas pelo Adulto e pela Criança do cliente (devem ser entendidas por uma criança de 5 anos de idade);
– Deve-se tomar o cuidado em usar um vocabulário com palavras de no máximo três ou quatro sílabas e não conter termos em língua estrangeira;
– O uso de coloquialismo deliberadamente é aconselhável para colocar à prova o pedantismo do Pai, porém é importante ficar atento quanto às reações do cliente;
– Quando a Criança do cliente estiver remoendo injustiças, sentimentos de inferioridade, mágoas… ou se estiver deprimida. Ficar atento, pois uma ilustração mal colocada no tempo ou usando termos inadequados pode ser vista como manobra parental ou pode abalar a proteção que vem do Pai interno;
– Após a ilustração é aconselhável que o terapeuta ria também, porém tomar o cuidado de fazê-lo depois dos clientes e não permanecer por muito tempo no palco.
6 – Confirmação: após feita uma Ilustração, que teve por objetivo estabilizar o Adulto do Cliente, é bom que o terapeuta fique atento para perceber outros materiais que possam confirmar a sua confrontação. Neste ponto é possível que a Criança do cliente tenha abandonado parte das incongruências. Entretanto, é necessário que outras Confrontações sejam feitas, como por exemplo: “Você jogava Não é Horrível numa área, agora você o está jogando em outra área. Isto confirma a impressão de que você precisa estar sempre jogando isso”. Aqui o terapeuta deverá ficar atento, pois se o material a ser confrontado aparecer de uma maneira muito óbvia, é bom perguntar a si mesmo: “Será que o Pai está tentando propor uma armadilha para a Criança? Ou será que a Criança está querendo jogar para ser salva e está atuando como uma criança num esconde-esconde, dando dicas de sua presença?”
Os efeitos da Confirmação podem ocorrer sobre os três estados de Ego do cliente. Sobre o Pai o efeito é paradoxal: ao invés de perceber a evolução parcial da Criança, a idéia de que não se pode confiar nela (Criança) é reforçada. Caso o Pai tome o controle da situação, a Criança, com toda a certeza, ficará ressentida. Sobre o Adulto, o efeito normalmente se torna reforçador em virtude da lógica utilizada na Confirmação. Quanto ao estado de Ego Criança, os efeitos da Confirmação são, normalmente, de fascinação, assegurando maior confiança no terapeuta em virtude da demonstração da sua potência, bem como da sua condição de estar alerta e da sua acertividade ao fazer a Confirmação.
Indicações: a Confirmação é uma Operação Terapêutica que deve ser utilizada quando percebe-se que o Adulto do cliente terá condições de evitar que o Pai utilize esta Operação contra a Criança, bem como a Criança não irá utilizá-la contra o terapeuta. Pode ser usada eventualmente para verificar a reação do cliente com quem se está falando ou de outro membro do grupo, com a finalidade de clarificar o relacionamento deste outro membro com o cliente. Por exemplo: verificar se o outro membro irá “salvar” ou ficará do lado do terapeuta.
Contra-indicações:
– Quando a Confrontação ou a Ilustração anterior não foi bem sucedida;
– Quando o cliente estiver praticando Jogos do tipo “Sim, mas…”, dando respostas tangenciais ou buscando armadilhas.
Cuidados: o terapeuta deverá ficar atento para não confundir a Confirmação com a brincadeira de interpretação psicanalítica.
7 – Interpretação: até este ponto, o objetivo das Operações Terapêuticas foi basicamente direcionado para a descontaminação do estado de Ego Adulto do cliente. Espera-se que ele esteja forte, competente e definindo com clareza seus pensamentos. Se isto estiver ocorrendo, o cliente atingiu o que Berne chama de controle social. Neste ponto, o terapeuta deverá ter sempre em mente que a Criança do cliente só foi trabalhada de maneira secundária, ou seja: as patologias da Criança a nível estrutural continuam intactas. A Interpretação tem por objetivo lidar estruturalmente com estas patologias da Criança.
A Interpretação é uma Operação Terapêutica que pressupõe que a Criança do cliente apresenta suas experiências de forma codificada e o terapeuta tem como propósito auxiliar em sua descodificação, retificação e no reagrupamento destas experiências. O terapeuta terá como seu melhor aliado o estado de Ego Adulto descontaminado do cliente.
Durante esta Operação, o estado de Ego Pai do cliente poderá influenciar sedutoramente contra as Interpretações, o Adulto testará se são reais e a Criança tentará afastá-las, pois representam uma ameaça de ficar privada tanto das gratificações que já são familiares, quanto da proteção de seu Pai interno.
Durante a Interpretação, os estados de Ego Adulto do terapeuta e do cliente irão enfrentar os estados de Ego Pai e Criança do cliente. Quanto mais facilidade o cliente tiver para catequizar o seu Adulto, maior probabilidade de sucesso haverá. Quando a Interpretação é absorvida pelo cliente, significa que seu estado de Ego Criança optou por abrir-se e ouvir o que o terapeuta tem a dizer , abrindo a possibilidade de deixar de atender às expectativas de seu Pai interno com receio de não obter sua aprovação.
Indicações: a Interpretação só deve ser utilizada quando o terapeuta perceber que o Adulto do cliente está cooperando com o processo terapêutico, quando o próprio terapeuta não estiver se opondo de forma muito direta ao Pai e quando o terapeuta não estiver pedindo demasiado sacrifício à Criança ou fazendo-a sentir muito medo de abandono e punição.
Eventualmente, a Interpretação poderá ser utilizada para testar se o cliente está apenas jogando com os conhecimentos psicológicos que adquiriu sem realmente estar se beneficiando deles. A resposta do cliente à Interpretação poderá mostrar isso. Pode ser usada ainda como um recurso desesperado quando o cliente, por exemplo, estiver deixando a terapia, pois ele poderá fazer uso destes conhecimentos no futuro.
Contra-indicações: quando perceber que o Adulto do cliente não está no comando da personalidade e/ou o terapeuta não estiver em seu estado de Ego Adulto, a Interpretação não deverá ser utilizada.
Cuidados: ficar atento para não intelectualizar ao invés de aplicar a Interpretação.
8 – Cristalização: trata-se de uma afirmação oriunda do estado de Ego Adulto do terapeuta dirigida ao estado de Ego Adulto do cliente a respeito da posição em que o mesmo se encontra. Exemplo: “Então, agora você está numa posição em que pode parar de jogar ‘isso’, se quiser”. Neste ponto, mostra-se ao cliente que ele chegou ao objetivo da terapia. Não com o objetivo de fazer com que o cliente se sinta bem, mas de fazê-lo chegar a uma posição onde possa executar uma opção Adulta de ficar melhor.
Na Cristalização, se o Adulto e a Criança do cliente estão bem, a Criança a recebe de forma positiva, embora poderá apresentar uma certa nostalgia em virtude de isto significar que ela terá que abandonar velhas formas de atuar e substituí-las por outras , que ainda não foram testadas completamente. Por outro lado, a reação do estado de ego Pai é similar àquelas mães que ficam sabendo que o filho irá se casar, neste ponto poderá aparecer alguns problemas somáticos.
Indicações: quando perceber que os três estados de Ego do cliente estão devidamente preparados. Eventualmente a Cristalização poderá ser utilizada se somente houver ameaça de desordens psicossomáticas. Neste caso, deve-se procurar fazê-la no início da sessão e ficar atento às reações parentais do cliente, que devem ser manejadas como necessário, se aparecerem.
Contra-indicações: a Cristalização não deve ser utilizada quando o terapeuta perceber que o cliente está se queixando de algum sintoma psicossomático ou quando ele começa a se interessar em conversar sobre esse tema ou, ainda, se ele demonstrar algum indício de que está deprimido ou demonstrando coragem de forma não usual.
Cuidados: o terapeuta deve ficar atento para não confundir uma resolução da Criança para mudar, com uma decisão de Adulto. Lembrar que até aqui, em geral, precederam-se sete outras Operações Terapêuticas, por isso na Cristalização vem contida a Permissão.
Referências Bibliográficas:
1 – Berne, E., Introducción al Tratamiento de Grupo, Adiciones Grijalbo S.A., Barcelona – Buenos Aires – México – D. F