As seis formas de estruturação do tempo segundo Eric Berne; suas relações com quantidade e qualidade.

Por José Silveira Passos

As seis (6) formas de estruturar o tempo, segundo Berne (Jogos da Vida) são:

1 – Alheamento (ou isolamento);
2 – Ritual;
3 – Passatempo;
4 – Atividade;
5 – Jogos Psicológicos; e
6 – Intimidade.

Estas seis (6) formas de estruturar o tempo, tem uma relação com a quantidade e a qualidade das carícias envolvidas em cada uma delas:

– Alheamento (Isolamento) – O ser humano sente a necessidade de ter determinado tempo reservado para estar consigo mesmo, organizar seus pensamentos, refletir sobre suas experiências, seus pensamentos e seus sentimentos, planejar, tomar decisões, mergulhar em suas fantasias, etc. Isto é considerado uma prática saudável. Embora as carícias envolvidas são auto-carícias que normalmente não atendem as necessidades de reconhecimento. Entretanto, esta forma de estruturar o tempo passa a ser considerada não OK quando o indivíduo faz dela uma forma predominante de estruturar o seu tempo. Com isso, irá provocar um déficit de carícias, quebrando o contato com a realidade do “aqui-e-agora”, vivendo basicamente recordando o passado ou fantasiando sobre o futuro.

Numa forma mais grave, o isolamento pode refletir comportamentos autistas.

– Ritual – Os rituais propiciam a manutenção dos canais de comunicação abertos através de transações complementares simples e estereotipadas que fornecem carícias superficiais. Os rituais são programados pelo estado de Ego Pai, tem um início, um desenvolvimento e um fim previsível, propiciando uma troca de reconhecimento. Através dos rituais os indivíduos estruturam o tempo sem se comprometerem com a autenticidade e a espontaneidade, restringindo-se apenas à obediência às normas sociais vigentes.

Quando o indivíduo estrutura o seu tempo preponderantemente através de rituais, como por exemplo, com formaturas, recepções, reuniões formais, casamentos, enterros, missas, etc., tende a sentir-se só, pois os rituais fornecem carícias de pouca potência ou de manutenção em função do relacionamento superficial que é mantido nesse caso.

– Passatempo – Assuntos em torno de temas inócuos como coquetéis, tempo, juventude, moda, inflação, problemas urbanos, esportes, política, empregadas, crianças, etc., caracterizam os passatempos que são mantidos através de transações paralelas ou cruzadas, usadas apenas para passar o tempo.

É através do passatempo que as pessoas selecionam os parceiros para se relacionarem, através de intimidade ou através de jogos psicológicos.

A troca de caricias positivas e/ou negativas envolvidas nos passatempos são de baixa intensidade.

– Atividade – Corresponde ao fazer alguma coisa ou trabalho propriamente dito, como por exemplo: tomar banho, projetar uma casa, escrever um livro, fazer uma prova, podar a grama, etc. A atividade propicia o uso do tempo lidando com a realidade exterior.

O indivíduo quando envolvido em estruturar o tempo em atividades, poderá também, envolver-se com outras formas de estruturar o tempo, com Jogos Psicológicos, rituais, passatempos, isolamento e intimidade.

Assim sendo, as atividades podem ser fonte de carícias positivas ou negativas, pois podem ser utilizadas para manter o contato com as pessoas ou para isolar-se. Através da atividade o indivíduo obtém carícias substanciais, que na maioria das vezes, envolve somente carícias condicionais.

– Jogos Psicológicos – Segundo Berne (Os Jogos da Vida), um jogo “Pode ser descrito como um conjunto repetido de transações, não raro enfadonhas, embora plausível e com uma motivação oculta”, p. 49.

Os Jogos Psicológicos, normalmente estão situados entre os passatempos e a intimidade. Fugindo da monotonia dos passatempos, mas sem se expor aos riscos propiciados pela intimidade, grande número de pessoas aderem aos jogos como sendo a maneira mais segura de estruturar o tempo.

Os Jogos Psicológicos propiciam carícias potentes e em abundância, porém todas de baixa qualidade por serem negativas.

– Intimidade – Berne (Os Jogas da Vida), fala em autonomia como sendo a capacidade do indivíduo em exercer plenamente a consciência, a espontaneidade e a intimidade. Intimidade, entende Berne, como a capacidade do indivíduo consciente de estruturar o tempo em relacionamentos sinceros e sem jogos no aqui-e-agora. Intimidade é a forma de troca de carícias positivas mais potente que existe. Ou seja, é o nível mais profundo de relacionamento entre os indivíduos e na maioria das vezes envolve muitas carícias incondicionais positivas.

Aplicamos este conhecimento em nossa prática clínica, em primeiro lugar observando a forma predominante que o cliente estrutura o seu tempo. Com isto estaremos também visualizando sua ou suas fontes de carícias e verificando quais das leis de economia de carícias (Steiner) ele está obedecendo. A partir daí direcionamos a terapia no sentido de introduzir o cliente nas leis de abundância de carícias (Steiner).

Eqüivale dizer que construimos o tempograma do cliente (papéis de par, social, profissional e familiar), o que facilita compor o diagnóstico, planejar as intervenções e delinear o prognóstico. Exemplo:

Cliente: sexo masculino, 56 anos, executivo.
Queixa: depressão.

Cliente disse ter ido ao médico por se sentir sem ânimo, sem disposição para ir para o trabalho, sem paciência com as pessoas, etc. O médico disse que ele estava com um quadro de depressão e aconselhou que procurasse fazer uma terapia para resolver o problema.

Disse trabalhar em uma empresa multinacional há 25 anos. A empresa está renovando seu quadro de executivos. Para isto a direção criou um plano de demissão voluntária para os executivos substituídos. Disse que foi desviado de suas funções há 2 meses. Está agora como encarregado de um almoxarifado. Coisa que ele detesta.

Disse também que daqui a um mês estará assinando a sua demissão, pois já foi tudo providenciado, inclusive já sabe quanto irá receber de indenização, quando vai receber e tudo o mais… Acrescentou que já deu entrada nos papéis para a sua aposentadoria (pois já possui tempo o suficiente para se aposentar). Disse que fica apavorado só de pensar na idéia de levantar de manhã e não ter o que fazer.

A partir dessas informações direcionamos a entrevista no sentido de verificar como ele estrutura o seu tempo. Disse que sempre trabalhou muito, é o único filho homem, tem 3 irmãs solteironas que dependem dele para orientações esporádicas de como gerir seus negócios (elas tem uma loja de móveis). Seu pai era judeu e morreu muito cedo. Ele foi quem praticamente assumiu o seu lugar, tomando conta de sua mãe e de suas irmãs. Casou e logo se separou, não tem filhos. Seu dia-a-dia consiste em trabalhar na empresa, quando volta para casa tem que cuidar da mãe que já está muito velhinha. Suas irmãs moram juntas em um bairro próximo. Sua mãe não quer morar com elas, pois elas brigam muito entre si. Disse não ter namorada atualmente, pois as que arrumou não durou muito tempo. Acha que é porque elas acham sua mãe muito chata.

Comentários:

Verificamos trata-se de um cliente que estrutura o seu tempo basicamente em atividade (trabalho e cuidar da mãe). Sua fonte de carícias era no trabalho quando exercia a função de executivo. Foi desviado de sua função para uma secundária (almoxarifado) que ele detesta. Com isso perdeu sua principal fonte de carícias vindas de seus colegas executivos e dos clientes com quem mantinha interação constante no dia-a-dia (2 meses foram suficiente para entrar em depressão). Ainda para agravar a situação terá que desligar-se definitivamente da empresa e se aposentar em seguida. Restará apenas a atividade de cuidar da sua mãe e vez em quando orientar suas irmãs nos negócios da loja de móveis.

Trabalhamos durante 3 meses desmistificando seus medos e fantasias no sentido de descontaminar o seu Adulto. Daí em diante a terapia foi direcionada no sentido de elevar sua auto-estima e assumir sua autonomia de vida. Um ano pós, o cliente já havia montado o seu próprio negócio (loja de móveis, à semelhança de suas irmãs) e estava se preparando para casar, época em que se deu alta da terapia. Mais ou menos um ano após, a sua alta da terapia, fomos surpreendidos com sua visita juntamente com sua mulher e um bebê. Disse que estava nos fazendo uma visita surpresa, pois queria muito que conhecessemos o seu filho, uma vez que era a melhor coisa que já lhe acontecera na vida, e que isto só foi possível graças ao trabalho terapêutico que havíamos feito.

Bibliografia:

1 – Berne, E. Os Jogos da Vida, Editora Artenova, Rio de Janeiro.
2 – Steiner, C., Os Papéis Que Vivemos na Vida, Editora Artenova, Rio de Janeiro, 1976.