Conceitos de Decisão e Redecisão; como utilizamos este conceito em nossa prática clínica; o conceito de elástico e de desconexão do elástico.

Por José Silveira Passos

Robert e Mary Goulding (Ajuda-te pela AT) enfatizam as mensagens patológicas dos pais a seus filhos. Mensagens estas que se acreditadas pela criança, poderão levar a distúrbios existenciais crônicos. Os autores chamam essas mensagens de Injunções e contra-injunções.

As Injunções são as mensagens oriundas da Criança dos pais e dirigidas à Criança dos filhos em circunstâncias que lhes causam dor: tristeza, ansiedade, desapontamento, raiva, frustração, desejos secretos, etc. São mensagens irracionais.

As contra-injunções são mensagens do estado de Ego Pai dos pais dirigidas ao estado de Ego Pai dos filhos, são mensagens restritivas, que se atendidas, poderão impedir o crescimento e a flexibilidade, que segundo os autores incluem os Compulsores listados por Taibi Kahler mais a contra-injunção “não”.

Os Goulding, no início de seus trabalhos, não reconheciam a distinção entre Injunção e decisão. Eles procuravam as “palavras exatas” e a “cena mais antiga”, onde as Injunções haviam ocorrido. Acreditavam que se descobrissem a Injunção, automaticamente descobririam a decisão. Com o desenvolvimento de seus trabalhos descobriram que, embora os clientes recordassem cenas antigas e Injunções notadamente similares, cada indivíduo decidia sozinho. Ou seja, descobriram que os clientes não eram “roteirizados” pelas Injunções dos pais. Cada criança toma as decisões sozinha, e assim cria seu próprio “roteiro”.

Para os referidos autores existem tanto decisões do Adulto como decisões da Criança. R. Goulding afirma (in: Doces Lembranças de Amor – A História da Terapia da Redecisão – por Mary Goulding,): “As decisões do Adulto são limitadas pelo tempo e geralmente não estão fechadas na estrutura da personalidade do indivíduo”, p. 116. Citam o exemplo da criança pequena que quer sair do chiqueirinho: usa as informações adultas adquiridas, o processo de pensamento de Adulto, mais a tentativa e erro, para desaparafusar o cercado ou empilhar brinquedos para subir e pular para o lado de fora. Se a criança recebe estímulos positivos por esta atitude, irá armazenar informações de Adulto adicionais, que irão futuramente ser úteis em decisões de Adulto.

Durante a atividade para sair do chiqueirinho, se alguma coisa sair errada, a criança poderá tomar uma decisão Adulta de “continuar tentando até acertar”. Ela poderá continuar pesquisando métodos diferentes para realizar a tarefa de sair do chiqueirinho. “As decisões de Adulto são feitas cognitivamente, ajustam-se a uma situação específica e são facilmente modificadas com novos métodos”, (idem, p. 116), afirmam os autores.

Se a criança for, por exemplo, severamente punida pela tentativa de sair do chiqueirinho ou cair e se machucar gravemente, ela poderá tomar uma decisão pela Criança para prevenir uma repetição de tal acontecimento. Os autores acreditam que as decisões da Criança são mais freqüentes quando a decisão de Adulto não fornece boas respostas ou boas soluções e parecem ser especialmente verdadeiras quando as decisões do Adulto são acionadas por desejos da Criança Livre. A Criança Livre quer sair do chiqueirinho para explorar outros lugares ou ficar junto com outras pessoas. Quando ela consegue sair e o ambiente torna-se perigoso: perda de amor, dor física, desaprovação severa, uma decisão negativa da Criança Livre será propícia para refrear os desejos da própria Criança Livre. A criança poderá decidir: “Nunca farei isto de novo!”, “Nunca tentarei nada novo”, “Não sou capaz de fazer nada por mim mesmo”, “Gostaria de não estar aqui, assim eles não me magoariam”, “Vou fazê-lo me matar”, etc.

“As decisões comportamentais e sentimentais são demonstradas sem palavras e podem, somente, ser supostas”, afirmam os autores. “Para explicar as decisões muito precoces, temos que inventar afirmações para descrever o vazio, a lentidão do crescimento, a rebeldia frenética que uma criança pequena pode sentir ou demonstrar”, (idem, p. 117), continuam os autores.

Acreditam que uma decisão da Criança pode ser tomada mesmo sem uma Injunção externa, como por exemplo quando a decisão é feita em resposta ao cair e se machucar gravemente. A criança cria tanto a Injunção como a decisão, e pode no futuro projetar a Injunção em um dos pais.

Uma decisão de Adulto que evoque aprendizado agradável e bem sucedido poderá suscitar o desejo de alcançar o sucesso, ou aprimorar suas habilidades, porque as respostas daquela decisão é algo desfrutável, poderá ser um caminho para conseguir carinho dos outros. Uma decisão de Criança poderá evoluir: “Uau, eu sou o maior!” Como por exemplo, “se a criança não tiver sucesso em aprender a rebater uma bola, uma decisão de Adulto pode ser: ‘vou imaginar como fazer isto e trabalhar em cima disso até ser tão bom quanto os outros`” (idem, p.118).

Por outro lado, se a falta de sucesso trouxer trauma, como perseguição ou escárnio por não fazer a coisa certa, poderá tomar uma decisão de Criança do tipo: “Não adianta tentar. Eu não posso fazê-lo”. Se uma criança já tiver tomado a decisão de não ser agressiva, competitiva, ou inteligente, por falta de sucesso em seus dias de chiqueirinho, poderá usar a natação, o futebol ou qualquer outra atividade para fortificar ou explicar a velha decisão, ou ainda tomar uma nova decisão, talvez mais trágica que a primeira, tal como: “Se as coisas não melhorarem para mim, vou me matar”.

Berne (ATP) descreve a pilha de moedas construídas esmeradamente uma a uma, até que uma moeda defeituosa é introduzida e a pilha, daí em diante, fica desviada para um lado, mesmo que as moedas seguintes sejam perfeitas. Da mesma maneira decisões precoces, se não forem mudadas, podem acarretar novas decisões. Os trabalhos dos Goulding é direcionado às decisões de Criança que continuam a “desviar a pilha” e afirmam: “nossa terapia é baseada na criação de um meio ambiente terapêutico no qual os pacientes possam redecidir e assim ‘endireitar a pilha`, a partir do estado de Ego Criança” (idem, p.118).

Os Goulding, ao longo de seus trabalhos, descobriram que algumas vezes ouviam de seus clientes o que realmente havia acontecido no passado, e algumas vezes ouviam o que o cliente pensava ter acontecido e afirmam: “nós aprendemos que parece não importar se ouvimos uma história real ou uma fantasia. Não temos que ficar obsessivos por estarmos ou não ouvindo a verdade a respeito do ontem. Os clientes podem redecidir o que quer que continue a constrangê-los hoje usando realidade ou fantasia” (idem, p. 119).

A Redecisão consiste em levar o cliente a reviver a cena-chave na qual deverá haver a Redecisão. Os Goulding procedem diferentemente da maneira que Berne descreveu (Técnica da Regressão). Eles não utilizam o Pai do terapeuta, em vez disto, é o próprio cliente que irá redecidir sobre o que decidiu no lá e então.

Através de técnicas emprestadas da Gestalt, o cliente é levado a reviver o momento em que foi formado a impasse, o que faz parte do processo de Redecisão.

Segundo os Goulding a “A Terapia da Redecisão nasceu a partir da consciência de que os pacientes têm de onde estavam e para onde estão indo, com sua própria energia, sua própria força” (idem, p.119).

Utilizamos este conceito, em nosso trabalho clínico, buscando descobrir o Impasse, bem como a Injunção que o levou a tomar a decisão precoce. Fzemos isto, levando o cliente a redramatizar e vivênciar a cena onde ocorreu a decisão. Normalmente isto ocorre a partir de uma situação do presente que o cliente traz para a terapia.

Exemplo: Cliente do sexo feminino, 24 anos. Trouxe em uma sessão de terapia a seguinte situação: estava muito preocupada com o que havia acontecido no final de semana, porque seu namorado foi para a casa de um colega estudar (está se preparando para o vestibular) e ela ficou muito brava com ele, pois a deixou sozinha durante o final de semana. Disse ter brigado muito com ele por este motivo. Indagamos se isto já havia acontecido outras vezes e ela afirmou que sim.

Ao longo da sessão se deu conta que freqüentemente tem um sentimento de posse com as pessoas. Fica “grudada” com os amigos, namorados, etc., como se estes tivessem a obrigação de ficar disponíveis para ela o tempo todo. Acrescentou que isto é uma constância em sua vida, e que fica muito mal quando eles, por algum motivo, deixa de gostar dela.

Buscamos verificar com a cliente a partir de quando começou a se sentir assim com as pessoas. Afirmou que desde criança ela se lembra de ter este sentimento sempre presente em sua vida.

Em outra sessão disse não gostar de sua irmã que é três anos mais nova que ela. Disse que brigam muito, chegam até a se agredir fisicamente (mostrou um hematoma na perna oriundo de briga com ela).

Algumas sessões depois, ela trouxe novamente uma situação com o namorado em que se sentiu abandonada por ele. Nesta ocasião procuramos fazer a conexão do elástico: dirigimos a cliente até uma cena de sua infância onde algo parecido havia acontecido. Chegou a uma cena onde tinha três anos de idade; acabara de chegar do hospital, em companhia de sua mãe e de seu pai, trazendo sua irmã recém nascida. Ao chegarem em casa, ela sentou-se em um sofá, na sala, enquanto o seu pai e sua mãe foram para o quarto levando a sua irmã. De onde estava sentada viu sua mãe e seu pai acariciando a irmã recém-nascida, que estava deitada na cama do casal.

Naquele momento se sentiu abandonada pelos seus pais, pois eles não estavam falando com ela. Ao invés disto, estavam completamente envolvidos com a recém-nascida. Concluiu que a partir daquele dia tinha perdido os seus pais que até então eram “só dela”. Estava se sentindo só, sem ninguém, muito triste. Mas estava também com muita raiva de si mesma, pois acreditava que foi por sua culpa que seus pais a abandonara. Tinha deixado sua irmã roubar os seus pais. Não fez nada para impedir. Chegou a dizer que não merecia viver por este motivo.

Naquele momento decidiu que quando as pessoas se afastam dela, a culpa é exclusivamente sua. Esta decisão faz com que qualquer movimento de se “afastar”, dispara o seu “gatilho” da infância. Esta decisão influencia toda a sua vida, pois se culpa por tudo o que acontece de errado em seus relacionamentos.

Nesta oportunidade aproveitamos a cena para convidar a cliente a fazer uma redecisão, com seu estado ego Criança, sobre o que havia decidido com três anos de idade. Ou seja, redecidir que ela não foi culpada de seus pais estarem acariciando sua irmã recém-nascida. Apenas ela era pequena e não entendia porque seus pais estavam lá no quarto com sua irmã, enquanto estava ali sentada sem ter a atenção deles e além disso, não conhecia uma maneira de buscar esta atenção.

Em outro momento da sessão, lembrou-se de que enquanto estava em casa com a empregada, enquanto seu pai estava no hospital com a sua mãe, vez por outra a empregada dizia que ela iria perder os carinhos que tinham de seus pais, pois estava vindo um neném para roubar toda a exclusividade que ela tinha em casa. Ou seja, iria perder os seus pais.

A empregada deu o pontapé inicial; aquela cena serviu para confirmar a idéia de que era verdade o que havia ouvido a respeito da perda de seus pais com o aparecimento da irmã.

A conexão do elástico é quando o indivíduo conecta-se com uma sentimento do passado, devido a um acontecimento do presente. É o caso no exemplo acima: sentimento de abandono pelo namorado é conectado com um sentimento do passado, onde se sentiu abandonada pelos pais em detrimento do nascimento da irmã. Ou seja, a conexão do elástico é como se fosse um “gatilho” que dispara uma conduta do passado frente a um dado igual ou parecido com o que levou a decisão da infância.

Desconexão do elástico é quando o indivíduo redecide com sua Criança, aquilo que decidiu no passado. No exemplo é quando a cliente redecide que ela não é culpada por “perder” seus pais, ou melhor, entende que não perdeu os seus pais.

Bibliografia:

1- Goulding, L. R. e Goulding, M. M. Ajuda-te pela Análise Transacional A Arte de Viver Bem com a Terapia da Redecisão, IBRASA, 2a. edição, 1979.
2 – Goulding R. in: Doces Lembranças de Amor – A História da Terapia da Redecisão, por Mary Goulding, Editora Gente.
3 – Berne, E., O Que Você Diz Depois de Dizer Olá?, Nobel, São Paulo, 1988.
4 – Berne, E. AT em Psicoterapia, Editorial Summus, São Paulo, 1985.