Desqualificação: definição, descrição das áreas, tipos e modos. Como lidamos na prática com a desqualificação

Por José Silveira Passos

Segundo Schiff (Leitura do Cathexis) a “desqualificação é um mecanismo interno que envolve pessoas que minimizam ou ignoram alguns aspectos de si próprias, de outras pessoas, ou da situação real”, p. 18. No entendimento da autora existe uma realidade consensual definida. A desqualificação envolve um quadro de referência que, muitas das vezes, é inconsistente ou deforma essa realidade.

Segunda a autora, a desqualificação não é operacionalmente observável, embora observa-se algumas manifestações de desqualificação como comportamentos passivos, redefinição de transações, transações ulteriores e comportamentos nas posições do “Triângulo Dramático” de Karpman (P, S e V). A autora lembra que essas manifestações exteriores tem origem na desqualificação, entretanto, não são desqualificações em si próprias.

A pessoa que desqualifica, acredita ou age como se algum aspecto do “self”, de outra pessoa ou da realidade fosse menos significativo do que realmente é. O impacto é reduzido, em geral propositalmente, para manter o quadro de referência, desenvolver jogos, levar adiante o Script, no empenho de reforçar ou confirmar relações simbióticas com os outros.

Segundo Ken Mellor e Eric Schiff (Redefinição e Desqualificação, in: Prêmios Eric Berne), existem três tipos de desqualificação e quatro modos para cada tipo em três áreas.

As três áreas são:

– algum aspecto do “self”;
– algum aspecto do outro; ou
– algum aspecto da situação da realidade.

Uma pessoa pode desqualificar seus próprios sentimentos, percepções, pensamentos ou ações; os sentimentos, percepções, pensamentos ou ações de outras pessoas; ou ainda alguns fatores na situação da realidade que o circunda.

Os três tipos de desqualificação são: de estímulos, de problemas e opções. Cada um pode ser desqualificado de quatro modos diferentes: existência; significado; possibilidade de mudanças; e habilidades pessoais das pessoas em relação aos tipos.

Estímulos – Qualquer estímulo interno – tal como sentimentos ou percepções – ou estímulos externos – tal como um sinal de angústia de uma outra pessoa – pode ser desqualificado. Eles podem ser desqualificados de quatro modos:

– A pessoa desqualifica a existência de próprio estímulo. Ela não toma consciência dele.
– O significado dos estímulos é desqualificado. A pessoa está consciente deles, mas distorce o significado deles para si próprio, para outros ou para a situação.
– A mutabilidade dos estímulos é desqualificada. A pessoa está consciente deles, compreende seu significado mas o vê como estáticos e imutáveis.
– A habilidade de uma pessoa de reagir de modo diferente ao estímulo é desqualificada. Apesar de estar consciente dos estímulos, do seu significado e da sua mutabilidade, a pessoa desqualifica a sua capacidade ou a do outro de mudar o estímulo.

Problema – As pessoas definem os problemas usando informações (estímulos) sobre elas próprias, sobre os outros e sobre as situações. Portanto, se elas desqualificam qualquer estímulo relevante para a definição do problema, elas tendem a desqualificar o problema ou algum aspecto dele. Assim, há uma conexão entre desqualificar os estímulos e desqualificar os problemas. Os quatro modos de desqualificar os problemas são:

– A existência do problema é completamente desqualificada. Informação disponível (estímulo) ou não, é usada ou não é usada apropriadamente para definir a existência do problema.
– O significado de um problema é desqualificado. O problema é identificado, mas sua importância para a pessoa, para o outro ou para a situação é mal definida.
– A solubilidade de um problema é desqualificada. Tendo identificado um problema e sua significância, a pessoa pensa que nada pode ser feito por quem quer que seja.
– A habilidade de uma pessoa de resolver um problema é desqualificada. Há um problema significativo que pode ser resolvido, mas não por mim, ou por ele ou por ela.

Opções – Opções são relevantes para resolução de problemas; elas podem, também ser significativas por si próprias. Quando elas estão relacionadas à solução de problemas, a identificação das opções será afetada tanto pelas informações (estímulos) usadas, como pelo modo como o problema é definido. Desqualificar os estímulos relevantes para a definição de um problema – ou desqualificar o problema de alguma maneira – tende a levar a algum modo de desqualificar as opções. Portanto, dada uma situação ou evento particular, a desqualificação de estímulos, de problemas e de opções “caminham de mãos dadas”. Os quatro modos de desqualificar opções são:

– A existência das opções é desqualificada completamente. As pessoas pensam que não há outras maneiras de pensar, sentir, perceber ou atuar, senão aqueles de que já estão conscientes.
– O significado das opções para a resolução de problemas ou para atingir objetivos é desqualificado. A pessoa está consciente das opções mas desqualifica sua relevância para o seu problema ou meta.
– A viabilidade das opções de atuar em suas opções é desqualificada. As opções estão aí, são significativas ou viáveis, mas não para a própria pessoa ou outrem.
– Desqualificações de opções afetam o pensar da pessoa sobre a solução de problemas e modos de atingir objetivos, e, pensamentos sobre a ação que a própria pessoa ou outros podem ter em relação a problemas e objetivos.

Toda simbiose é mantida através da desqualificação e está vinculada ao processo interno do indivíduo, que por sua vez é definido através do quadro de referencia (sistema de crenças do indivíduo). Desse modo, qualquer estímulo que seja inconsistente, isto é, que ameace o sistema de crenças, conduzirá o indivíduo a desqualificá-lo com a finalidade de torná-lo consistente com o respectivo quadro de referencia, mantendo, assim, a simbiose.

Quando isto ocorre, envolve a utilização de rackets (falsas emoções ou substitutas), jogos e transações ulteriores que levam em frente o Script de vida do indivíduo. Nestas condições, o indivíduo não estará utilizando plenamente a sua capacidade de sentir, pensar e agir. Assim, buscamos direcionar os trabalhos terapêuticos no sentido de confrontar a desqualificação todas às vezes que ocorrer. Procuramos, na medida do possível, seguir os quatro passos sugeridos pela autora (Leituras do Cathexis):

Primeiro passo – aspecto externo – procuramos auxiliar o cliente a identificar as manifestações externas, tais como as transações, os comportamentos e os jogos que resultam de suas desqualificações.

Segundo passo – aspecto interno – buscamos focalizar as áreas, os tipos e os modos de desqualificação.

Terceiro passo – procuramos identificar e explicitar o empenho do cliente em desqualificar, visando abrandar esse empenho.

Quarto passo – Integração dos aspectos externos e internos – direcionamos os trabalhos no sentido de consolidar o empenho do cliente na de busca de comportamentos e transações sem desqualificação, desfrutando assim dos reforços positivos oriundos de seus próprios comportamentos.

Procuramos seguir os passos acima, dentro de um planejamento adequado evitando que uma intervenção venha cair sobre ou sob a diagonal do quadro abaixo:

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Procuramos seguir essa orientação porque, segundo a autora (Leitura do Cathexis), qualquer intervenção que não esteja acima da diagonal ao longo da qual o cliente esteja desqualificando, utilizada em qualquer um dos quatro passos descritos anteriormente, corre o risco da própria intervenção ser desqualificada.

Desse modo, buscaamos direcionar o foco dos trabalhos terapêuticos, tendendo caminhar do alto do canto esquerdo para a base do canto direito do quadro, levando em conta cada diagonal como uma fase do tratamento.

Bibliografia:

1 – Karpman S. B., Contos de Fada e Análise do Drama dos Scripts, in: Prêmios Eric Berne.
2 – Mellor, K. e Schiff, E., Redefinição e Desqualificação, in: Prêmios Eric Berne.
3 – Schiff, J. L. Análise Transacional – Tratamento de Psicoses – Leitura do Cathexis; 1986; Apostila compilada pela UNAT-BRASIL.