Diagnóstico dos Estados de Ego Segundo Eric Berne

Por Jose Silveira Passos

Segundo Berne (ATP), há quatro critérios a serem seguidos para se diagnosticar um estado de Ego: Comportamental, Social, Histórico e Fenomenológico. O diagnóstico só estará estabelecido quando a correlação entre todos os quatro critérios estiver estabelecida. Estes critérios seguem uma determinada ordem, como está descrito abaixo.

Comportamental – é o primeiro a ser feito, através da observação de gestos, tom de voz, palavras e expressão facial. O estado de Ego Pai utiliza palavras imperativas ou protetoras, usa termos como: não deve! Não pode! Isto é uma ordem! Dedo em riste, olhar severo, cenho franzido, tom de voz incisivo e postura professoral são características deste estado de Ego, como também o braço sobre o ombro, o gesto de acalentar, o sorriso compreensivo e frases como: Confio em você! Pode contar comigo! Estou orgulhoso de você! Você é capaz! Que bom que você nasceu!

O Adulto caracteriza-se pela atitude comedida e ponderada, pelas palavras racionais e objetivas, pela expressão interessada e meditativa. A estátua “O Pensador” de Rodin reflete com precisão a figura do estado de Ego Adulto, que utiliza em seu vocabulário substantivos e termos como: Por que? É adequado! Não é conveniente! Percebo que…!

A Criança caracteriza-se pelo tom de voz elevado, estridente e descontraído ou pela atitude inibida e chorosa. Usa, com freqüência, interjeições e gírias. Esse critério de diagnóstico pode ser usado pelo terapeuta em um grupo terapêutico e corroborado pelos companheiros de grupo.

O diagnóstico comportamental pode ser confirmado pelos critérios descritos abaixo.

Social – vem corroborar com o diagnóstico comportamental. É feito pelo exame do tipo de resposta que um estímulo enviado pelo emissor provoca no receptor. Se as pessoas estiverem no Adulto, provavelmente também estarei no Adulto. Se alguém está no estado de Ego Pai, poderei estar na Criança ou no Pai. É feito através da observação dos tipos de transações entre uma pessoa e outra.

Exemplo: o indivíduo X, em sua Criança Adaptada, com ar de desamparo pede ajuda. O indivíduo Y responde de maneira que X se sente ajudada. Isso é indicativo de que Y estava no Pai Protetor.

Esse critério de diagnóstico se aplica sempre que o estado de Ego em foco esteja inserido numa transação, de preferência complementar. Os diagnósticos comportamental e social são objetivos, enquanto os diagnósticos histórico e Fenomenológico são subjetivos.

Histórico – vem reforçar os diagnósticos comportamental e social. É feito através da investigação da história do indivíduo e a comparação com as reações presentes ou percebida quando o próprio indivíduo puder identificar a figura parental que serviu de modelo para o seu comportamento. Quando, por exemplo, as reações aos estímulos parentais da infância forem semelhantes aos atuais, denota que se está no estado de Ego Criança Adaptada.

Exemplo: o indivíduo X diz que não se deve elevar a voz diante da autoridade. O terapeuta pergunta-lhe qual dos seus pais dizia isso desse modo. Se X conseguir se lembrar de um dos pais tendo esse comportamento, fica comprovado que X se encontra no Pai, uma vez que este estado de Ego, é de certa forma por definição, uma imitação do comportamento dos pais.

Outro exemplo: o indivíduo Y furta um chocolate na loja de conveniências e sente-se vitorioso por ter burlado a segurança da loja. No momento que ele se lembrar de alguma cena da infância em que se comportava e se sentia de modo igual, significa que ele estava no estado de Ego Criança.

Fenomenológico – o diagnóstico ganha reforço ainda maior quando é confirmado. É feito através dos sentimentos, sensações e emoções experimentadas no momento, ou seja, quando o indivíduo puder revivenciar, com total intensidade e pouca dispersão, o momento ou época em que assimilou o estado de Ego parental.

Digamos que o cliente ao fazer o exercício da “Cadeira Vazia”, retoma uma situação de retraimento (sua Criança Adaptada) que sofreu pelo seu pai na infância; os sentimentos do “lá e então” são associados a um comportamento do “aqui e agora”.

Provavelmente, naquela época, a criança necessitava de entendimento, proteção, etc. Ou seja, sua Criança Adaptada atual está assustada, como ficava lá na infância, requerendo os mesmos cuidados de entendimento, proteção, etc. O critério fenomenológico é particularmente útil para o diagnóstico do estado de Ego Criança.

O diagnóstico do estado de Ego Adulto, em geral é confirmado pela exclusão.

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Exemplo de um diagnóstico do Estado de Ego Criança:

Cliente: sexo masculino, 44 anos.
Partes de sessões de terapia.

Primeira sessão:
Cliente – (Sentado, mãos entre as pernas, tronco curvado para a frente) – Sabe Dr. … é… como vou falar… hum… (esfrega as mãos uma contra a outra, mantendo-as entre as pernas). Eu estou com um problema… na realidade não é um problema… é que eu… (ar desamparado, coça a cabeça, morde os lábios) o meu problema é de relacionamento… (tom de voz suplicante).
Eu – Como assim?
Cliente – Sabe Dr., o meu relacionamento com minha mulher não vai bem…
Eu – O que está acontecendo?
Cliente – Nós estamos discutindo muito… brigando… as crianças… (pausa). O problema todo são as crianças… elas não têm culpa… Elas sofrem muito com isso… (pausa).
Eu – Quantos filhos você tem?
Cliente – Dois. Uma menina de oito anos e um menino de três.
Eu – Quais são os motivos das discussões e brigas entre você e a sua mulher?
Cliente – São muitos os motivos… (pausa). Vou ter que contar desde o começo para o Sr. entender. Tudo começou quando ela passou a freqüentar uma religião… Ela fica o tempo todo falando da religião… No começo, achei que seria interessante para ela e para as crianças, pois lá em casa não tínhamos o hábito de freqüentar igreja, ir à missa… essas coisas… Então quando ela começou, achei que seria bom, inclusive para as crianças adquirirem uma base religiosa… mas a coisa começou a tomar um rumo que eu não esperava…
Eu – Como assim, um rumo que você não esperava?
Cliente – A coisa está virando fanatismo… minha mulher fica “malhando” as outras religiões… Qualquer coisa coloca a religião no meio… Estuda três vezes por semana com uma senhora lá da igreja… Da igreja não… ela não chama de igreja. Chama de “…”. Eu não entendo direito… Acho que o templo é chamado de “…”. Eu sei que a coisa está ficando inconveniente, já brigou com uma vizinha por causa da religião.
Eu – Você já conversou com ela sobre isso?
Cliente – Já tentei… Mas não há diálogo, se começamos a conversar, a conversa se transforma logo em discussão… para não haver briga eu deixo prá lá…
Eu – Como se sente quando isto acontece?
Cliente – Ah… Me sinto muito mal. O sangue sobe, parece que vou explodir.
Eu – Você já se sentiu assim em outras ocasiões com outras pessoas?
Cliente – Deixe-me pensar… (pausa). Igual, acho que não… só sinto algo parecido, às vezes no meu trabalho… mas não tem nada a ver.
Eu – O que acontece no seu trabalho?
Cliente – Quando alguma coisa não dá certo… fico preocupado… no trabalho gosto de tudo muito certinho… às vezes quando alguma coisa sai errado… o meu chefe é muito crítico… aí eu fico nervoso.
Eu – Qual foi a última vez que isto aconteceu no trabalho?
Cliente – Hoje.
Eu – O que aconteceu?
Cliente – O chefe foi no meu setor procurar uma nota fiscal. Só que não conseguiu encontrá-la. Ele ficou uma fera. Falou um monte de besteiras… chamou todo mundo de incompetente… fiquei muito puto com o que ele fez.
Eu – O que você fez?
Cliente – Procurei contornar a situação, dizendo para ele que iríamos procurar, quando encontrasse a levaria em sua sala.
Eu – E aí o que aconteceu?
Cliente – Ele foi embora para a sua sala e quando a nota foi encontrada entreguei a ele, em sua sala.
Eu – O que ele disse?
Cliente – Apanhou a nota e não disse nada.
Eu – Como você se sentiu, quando ele pegou a nota sem dizer nada?
Cliente – Aliviado.
Eu – Você imaginava que ele fosse falar alguma coisa?
Cliente – Pensei que fosse continuar dando bronca. Ele é muito “casca grossa”.
Eu – Como assim “casca grossa”?
Cliente – Muito sem educação para tratar as pessoas, só sabe cobrar.
Eu – Quando você era criança, seus pais o cobravam muito?
Cliente – Meu pai não. Mas a minha mãe sim.
Eu – O que ela cobrava?
Cliente – Tudo. Para a minha mãe nada estava bom. Tudo que eu fazia parecia que tinha um defeito.
Eu – Como você se sentia quando era cobrado por sua mãe?
Cliente – Sentia muito mal. Às vezes ficava puto com ela.
Eu – O que você fazia quando ficava puto com ela?
Cliente – Nada. Só ficava puto.
Eu – Tinha vontade de fazer alguma coisa?
Cliente – Tinha vontade de ir embora para a casa de meus tios e não voltar mais (pausa longa). Sabe Dr. agora estou me lembrando, minha mãe era muito distante. Naquele curso que eu fiz com o Sr. (“Workshop de Desenvolvimento e Relacionamento Intra e Interpessoal”), percebi isto quando o Sr. falou de Carícias. Inclusive tive muita dificuldade para fazer aqueles exercícios.
(Apesar de ter sido a primeira sessão, já tínhamos mantido contatos através de um workshop, isto favoreceu o estabelecimento do vínculo terapêutico.)

Na sessão seguinte voltamos a falar de sua relação com a mãe, onde disse-me que casou porque sua esposa (quando eram namorados) engravidou e que foi muito difícil contar para os pais dele que iria casar porque a namorada havia engravidado. Indaguei sobre os motivos da dificuldade de contar aos pais. Disse que tinha medo de decepcioná-los. Indaguei sobre a sua infância com os pais:

Eu – Quando você era criança, tinha medo de decepcionar seus pais?
Cliente – Minha mãe.
Eu – O que você fazia para não decepcionar sua mãe?
Cliente – Procurava agradá-la.
Eu – Como?
Cliente – Eu estudava muito… ajudava nas tarefas de casa… não brigava com meus irmãos.
Eu – Conseguia não decepcionar a sua mãe?
Cliente – Não… (pausa). Não, porque ela achava defeito em tudo que eu fazia.
Eu – Seu chefe acha defeito em tudo o que você faz?
Cliente – Chiii… Em quase tudo.
Eu – Sua mulher acha defeitos em tudo o que você faz?
Cliente – Tudo não. Mas nas coisas que eu faço em casa sim.
Eu – O que você acha disso?
Cliente – Parece que está tudo errado, né?
Eu – Tudo errado o que?
Cliente – Acho que estou repetindo com minha mulher e com o meu chefe estas coisas…
Eu – Você já se decepcionou com alguém?
Cliente – Acho que estou decepcionado comigo mesmo.
Eu – Por que está decepcionado consigo mesmo?
Cliente – Vejo que tudo que está acontecendo no meu relacionamento é por minha causa.
Eu – Você fez o que podia fazer! Estava fazendo o que de melhor podia fazer! É OK fazer o que se pode fazer! Você percebe o que está fazendo agora?
Cliente – Estou me cobrando.
Eu – Está se cobrando, como sempre foi cobrado. Quando você era pequeno sua mãe o cobrava. Agora você é quem cobra o que fez, cobra o que deixou de fazer, etc. Você precisa continuar se cobrando?
Cliente – Não.
Eu – O importante é daqui para a frente. Agora você sabe que não precisa continuar se cobrando, o que você pretende fazer?
Cliente – Parar de me cobrar.
Eu – OK!

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Em uma outra sessão, o cliente trouxe novamente uma situação em que seu chefe estava criticando-o de modo incisivo, devido a uma situação que ocorrera no trabalho. Disse que estava se sentindo muito mal com a situação.

Resolvi aproveitar o momento e aplicar a técnica da cadeira vazia para trabalhar o que estava trazendo. Coloquei, em sua frente, uma cadeira vazia e em seguida pedi que imaginasse o seu chefe sentado ali, na sua frente. Em seguida, estimulei-o a conversar com ele (chefe) a respeito do que estava acontecendo.

O cliente disse que não sabia o que dizer. Incentivei-o a olhar nos olhos do chefe e em seguida perguntei o que estava sentido. Respondeu que estava se sentindo muito mal com aquela situação; estava sentido um “nó” na garganta e ao mesmo tempo um “frio” na barriga. Perguntei se já tinha sentido isso antes, com outras pessoas por exemplo, em outras ocasiões, etc. Inicialmente, disse que não. Porém, à medida que eu ia incentivando-o a manter contato com o que estava sentido e ao mesmo tempo falar com o seu chefe (na cadeira em sua frente), se deu conta que já havia sentido algo assim. Perguntei com quem e quando aconteceu. Disse que foi quando a sua mãe esteve em seu colégio para atender a um chamado de sua professora. Nesse momento pedi que deixasse de lado o seu chefe, que estava sentado na cadeira em sua frente, e voltasse à cena com a sua mãe, na escola.

Na cena, o cliente reviveu toda uma situação de medo, vergonha, etc., que passou com a sua mãe frente a professora e aos colegas. Ele tinha por volta de seis anos de idade e ficava com vergonha de pedir a professora para ir ao banheiro. Vez por outra fazia xixi nas calças dentro da sala de aula. A professora chamou a sua mãe para conversar a respeito; quando ela falou do que se tratava, a sua mãe deu-lhe uma bronca diante de todos. Os colegas começaram a rir, a fazer chacota. Ficou com muito medo e vergonha do que estava acontecendo.

Diagnósticos (Estado de Ego Criança Adaptada):

Comportamental:

– Gestos – mãos entre as pernas, coçar a cabeça, morder os lábios.
– Postura – Curvado para a frente.
– Expressão facial – ar de desamparado.
– Palavras – É… Hum… como vou falar…
– Tom de voz – Suplicante.

Social:

– Postura diante de seu chefe que estava no Pai Crítico.
Histórico:
– Identificou que, quando criança, diante da mãe se comportava do mesmo modo que comporta hoje diante de seu chefe.

Fenomenológico:

– O cliente fez a associação do que estava sentido, na presença de seu chefe, com o que sentiu, quando criança, em uma situação específica com a sua mãe. O cliente não só lembrou, como também sentiu como se a cena estivesse acontecendo naquele instante.