Miniscript (ou miniargumento) positivo e negativo: seus componentes e como fazemos uso desta teoria em nosso trabalho.
Por José Silveira Passos
O termo “miniargumento”, segundo T. Kahler, o seu criador, é uma designação incorreta: segundo o autor, quando descobriu a seqüência de comportamentos que levam à não okeidade, rotulou esta idéia de “miniargumento”, pois achava que o que estava observando era o argumento dentro do argumento a que Berne se referia. Mais tarde, percebeu que na realidade as pessoas estavam reforçando o seu argumento, ao nível do Impulsor (atualmente Compulsor).
O miniargumento como conceito, é um sistema que proporciona uma estrutura que compreende a análise estrutural, das transações, de jogos e de argumento. O uso do miniargumento como conceito, significa pensar dentro de sua estrutura, sem ter que usar seu jargão. Pensar o miniargumento nos permite observar se estamos em comportamento ok ou não-ok segundo por segundo, assim afirma o seu autor.
Segundo o autor, o conceito de miniargumento é abrangente o bastante para cobrir qualquer transação e identificar onde uma pessoa se encontra, existencialmente, em qualquer transação, uma vez que elas estão no miniargumento ok ou não ok a cada instante, e ambos representam comportamentos. O miniargumento não-ok é representado através de um triângulo, conforme a figura abaixo:
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A posição -1 é a dos Compulsores, que se refere a uma posição “Eu estou ok se…” no Curral ok de Ernst. A posição -2 é a dos freiadores e reflete a posição “Eu não estou ok, você está ok”. De acordo com o Curral ok de Ernst, nesta posição ela está se Afastando De e não Seguindo Com. Os “rackets” típicos nesta posição são inadequação, confusão, culpa e tristeza. Segundo o autor, neste nível, poderá existir benefício final através de jogos como Bata-me e Estúpido.
A posição -3 corresponde de acordo com Ernst à posição de Livrar-se De, da Criança Vingativa, podendo também refletir o Pai Crítico negativo e os “rackets” correspondentes são raiva, hostilidade, triunfo maligno, ressentimento, etc. Aqui também poderá existir benefícios finais resultantes de jogos com Agarrei-te SFP, Veja o que Você me Fez Fazer, Defeito e jogos do tipo “não tenho culpa”.
A posição -4, corresponde de acordo com Ernst, a posição “Não ir a lugar nenhum” e os rackets correspondentes são depressão, desespero, desesperança, impressão de não ser amado e não ser querido. O jogo “Encurralado” freqüentemente aparece nesta posição. Segundo o autor, a tese que está por trás de todos os Compulsores, é a de que nós estamos ok se agradar, esforçar, etc. O miniargumento ok, é também representado por um triângulo conforme a figura abaixo:
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Na posição 1 os Compulsores são substituídos pelos Permissores que são ordens vindas do Pai Crítico ok, que dão proteção para fazer algo: “Sinta-se ok mesmo se cometer um erro”, “Agrade-se”. Segundo o autor, no artigo original se sugeria que os Permissores eram o resultado do Pai Nutritivo ok. Porém, segundo o próprio autor, isso é incorreto. Não é “É ok fazer”, mas sim “Faça”. Isto reflete a seqüência de proteção e permissão.
Na posição 2 estão os Arrancadores que são usados na Criança Natural, ativados pelo Pai Nutritivo ok, segundo o autor.
Na posição 3, estão os Afirmadores, ativados pelo Pai Crítico ok e são localizados na Criança Adaptada ok. Segundo o autor, no artigo original, a denominação era Criança ok afirmativa. O que, segundo o próprio autor, isso é incorreto, uma vez que não se trata do Pai Nutritivo ok e da Criança Natural, mas sim do Pai Crítico ok e da Criança Adaptada ok.
Na posição 4 estão as alegrias finais, também na Criança Natural. Segundo o autor, todas essas posições admitem “Eu estou ok, você está ok”, porém há mais benefícios ok, quantitativamente, na posição 4 do que na 2. Segundo o autor, o conceito de Compulsores pode ser abordado a partir de três aspectos: desqualificação interna; diagnóstico comportamental; e convites argumentais. O autor crê que em termos de desqualificação interna, maior quantidade de conduta desqualificante pode ser identificada examinando-se os Compulsores do que se utilizando qualquer outro meio, pois a desqualificação vem sob a forma de uma mensagem que traz o Compulsor no Pai Nutritivo não-ok, e que diz: “para fazer isso, o jeito é ser esforçado” (ou ser perfeito, etc.).
Segundo o autor, o diagnóstico dos Compulsores envolve a observação sistemática de palavras, tons, gestos, expressões faciais e posturas. Cabe lembrar, segundo o autor, que cada pessoa exibirá um conjunto de condutas bastante regulares, que estarão associadas a deterninados Compulsores. Por exemplo, sobrancelhas levantadas em uma pessoa podem refletir “Agrade Sempre”, enquanto em outros, não.
Já o convite argumental, segundo o autor, refere-se aos comportamentos, em uma pessoa, que convidam outra a exibir comportamento argumental concomitante. O processo de convidar a comportamento correspondente é, crê o autor, uma das mais importantes dimensões de toda a interação humana. A razão para tal, segundo o autor, é a correlação altamente positiva entre convite argumental e resposta argumental. Segundo o autor, ao que parece, há uma probabilidade de noventa por cento de que, se a pessoa A estiver em um Compulsor, a pessoa B irá reagir com o mesmo comportamento de Compulsor, ou com comportamento complementar de Compulsor. Este princípio aplica-se também ao comportamento ok, e segundo o autor, não há uma terceira alternativa. Segundo a segundo, transação a transação, estaremos convidando uns aos outros a entrarem em comportamentos ok ou não ok.
Segundo o autor, os Compulsores podem ser observados a partir de um Pai Nutritivo negativo, ou de uma Criança Adaptada negativa, sem “rackets”. Assim, quando o Pai Nutritivo negativo é catexado, o Compulsor do Pai reflete a crença: “Você está ok se esforçar por mim, se me agradar, etc.” e quando a Criança Adaptada negativa, sem “racket” é catexada, o Compulsor de Criança reflete a crença: “Eu estou ok se eu me esforçar, agradar, etc.”.
Segundo o autor, o correspondente ok do Compulsor é o Permissor que representa o funcionamento do Adulto, energizado pelo Pai Crítico ok. Kahler diz que no Permissor, o Adulto viu o que estava por trás da isca do Pai Nutritivo não-ok, e compreende que o comportamento de Compulsor, na verdade, não ajuda ninguém a vencer na vida. Para romper com esse mito, prossegue o autor, a pessoa tem de atender a um imperativo de proteção do Pai Crítico ok. No caso do Agrade Sempre o imperativo é “Agrade a você mesmo!” Segundo o autor o imperativo protetor é dirigido à Criança Adaptada ok e a mensagem de permissão, por outro lado, é dirigida à Criança Livre. Essas mensagens, segundo o autor, nos permitem seguir sendo nós mesmos, nos sentindo ok quanto a quem somos e evitando sentimentos de “rackets”.
Kahler afirma que os Compulsores são condutas que duram de uma fração de segundo a não mais de sete segundos e não há sentimentos a eles relacionados. Afirma também o autor que não há um modo de sentir um “racket” ou tocar uma gravação-freiadora sem antes entrar em comportamento de Compulsor. Logo, detendo o comportamento de Compulsor impedirá que a fita freiadora seja ativada, que o “racket” seja sentido evitando assim, a frase argumental concomitantemente.
Segundo o autor, o reforço argumental é um processo em quatro etapas: baixa reserva de carícias que causa a conduta de Compulsor, que por sua vez causa diferentes padrões de frases e que finalmente reforçam o argumento existencial.
O autor afirma também que uma bateria não ok carregada (“baixa reserva de carícias”) precipita o comportamento de Compulsor como fase inicial para se conservar a não-okeidade.
O autor exemplifica o reforço argumental do seguinte modo: Se eu “Nunca” termino minhas frases, por “Ser Esforçado” e faço isto 200 vezes por dia, inconscientemente, em um mês terei reforçado um argumento “Nunca” 6.000 vezes, em um ano 72.000 vezes, e em 20 anos, 1.440.000 vezes. Não admira que eu acredite que “nunca vou conseguir”. Esses padrões de frases são o resultado de um Compulsor, segundo o autor.
O autor também sustenta que se uma pessoa mudar suas frases formadas no Compulsor, pode mudar todo o padrão de seu argumento existencial. Assegura também, que a inclinação de uma pessoa para entrar em conduta não ok está na proporção inversa à sua reserva de carícias. Portanto, se a quantidade ou qualidade de suas carícias é baixa, ela estará mais inclinada a entrar em conduta não ok do que quando sua reserva está alta. O autor apresenta o continuum do miniargumento como a razão lógica para sua afirmação, integrando segundo a segundo, a conduta que pode ser identificada, e reunindo as análises estrutural e transacional.
Em nosso trabalho clínico utilizamos o conceito para diagnosticar os comportamentos de Compulsor, para isto observamos o tom de voz, gestos, palavras, postura e expressão facial do cliente. Uma vez identificado o Compulsor, passamos em seguida a monitorar esta conduta de Compulsor, uma vez que ela está ligada diretamente ao convite argumental. Procuramos monitorar tanto o convite argumental nosso para com o cliente, como dele para conosco, uma vez que se um dos dois estiver em comportamento de Compulsor haverá grande probabilidade do outro reagir também em comportamento de Compulsor ou comportamento complementar de Compulsor.
Exemplo prático:
Cliente, 27 anos, sexo feminino, solteira, queixa principal: ansiedade. Já havíamos iniciado a terapia há umas quatro semanas, quando começou a ter dificuldades de vir às sessões em virtude de ter se mudado para distante e também pelo fato de ter iniciado um curso de pós-graduação.
Estudamos então a possibilidade dela comparecer às sessões de 15 em 15 dias e então fazermos sessões duplas com a duração de 110 min. A cada 15 dias comparecia às sessões cheia de dúvidas quanto continuar a terapia, dizia estar assoberbada de serviço e não estava conseguindo ter tempo para nada. Por isso queria aproveitar ao máximo as duas sessões, ficava ansiosa para resolver logo os problemas e quando não conseguia ficava frustrada. Chegou a propor a fazer 3 sessões no mesmo dia.
Estavamos (o terapeuta estava) cada vez mais empolgado em atender as expectativas da cliente. Foi quando se deu conta (o terapeuta percebeu) que estava o tempo todo aceitando os convites da cliente para as condutas de Compulsores (Seja Esforçado e Agrade Sempre). Daí em diante repensamos a maneira de lidar com esta cliente. Primeiro cortamos as sessões duplas, passamos a encerrar as sessões no tempo exato (50 min e nada além disso). Ficamos atentos aos Compulsores e percebemos que a terapia começou a fluir bem melhor do que estava.
Este episódio serviu de aprendizado, pois atualmente procuramos estar atentos a todo comportamento de Compulsor, seja nosso ou do cliente. Um aspecto que procuramos ficar muito atento, inclusive ensinando para o cliente, é o uso do vocabulário por ele e por nós, pois é através do padrão de frases que se reforça o Script.
Utilizamos também de uma técnica da Ecologia humana, “Rota Zero”, que possibilita “sacar” o cliente do Compulsor durante a sessão de terapia mantendo-o no aqui e agora, bem como facilita a nossa atenção e permanência no aqui e agora.
Procuramos pensar o miniargumento sem utilizar o seu jargão, assim permaneço monitorando minhas condutas não-ok.
Bibliografia:
1 – Kahler, T. e Capers, H. O Miniargumento, in: Prêmios Eric Berne.
2 – Kahler, T. História do Miniargumento, in: Prêmios Eric Berne.
3 – Kahler, T. O miniargumento, Apostila.