O uso deliberado de transações cruzadas. Como utilizamos esse conceito na prática
Por José Silveira Passos
O uso de transações deliberadamente cruzadas é uma técnica de abordagem psicoterapeutica utilizada com a finalidade de resolver problemas de transações “fechadas”, ou seja aquelas transações que se desenvolvem sempre envolvendo os mesmos estados de Ego. Em geral estas transações “fechadas” ou “cerradas” se estabelecem entre o Pai e a Criança dos interlocutores, embora possam ocorrer também entre outros estados de Ego como entre C-C e P-P.
Karpman (Opções, in: Prêmios Eric Berne), afirma que muitos clientes estabelecem transações “cerradas” em seus relacionamentos e buscam terapia com a finalidade de resolver essa situação. A Análise Transacional oferece uma abordagem de fácil compreensão para o problema e fornece uma gama considerável de opções para essas pessoas.
A dificuldade que os indivíduos encontram para romper uma transação “cerrada”, reside no fato de que existe um componente emocional envolvido na comunicação, levando as pessoas a imaginar que é impossível desvencilhar da armadilha que sempre dispara a flecha no momento exato. Daí em diante, parece uma mosca presa à teia de aranha: quanto mais se debate na tentativa de escapar, fica cada vez mais grudada nos fios que foram tecidos pacientemente pela aranha.
Numa transação “fechada” típica (P-C) normalmente toda tentativa de manipular a situação é infrutífera, pois essas tentativas giram em torno de variações de afirmações tanto da Criança como do Pai, o que vem reforçar ainda mais os sentimentos inadequados resultantes do relacionamento tipicamente simbiótico em que estão envolvidos.
Daí, o uso da transação cruzada ser efetivo no rompimento desses relacionamentos simbióticos, pois muda completamente o circuito “viciado” em que ambos os indivíduos estão envolvidos, deixando de reforçar os sentimentos inadequados e ao mesmo tempo fornecendo outras opções de relacionamento mais agradáveis.
Outras possibilidades do uso de transações deliberadamente cruzadas, são por exemplo cruzar uma transação ulterior para a interrupção de um jogo, na confrontação quando se cruza a transação com o Adulto, etc.
Karpman (Opções, in: Prêmios Eric Berne), afirma que o objetivo deve ser cruzar a transação deliberada e efetivamente e que para tal, é necessário observar os quatros critérios seguintes:
1 – Um ou ambos os estados de Ego devem mudar realmente – significa que um dos envolvidos deverá realmente mudar o seu estado de Ego, com isso convidar o outro a mudar também de estado de Ego.
2 – A transação deve ser cruzada – Com o auxílio da terapia o indivíduo irá escolher o estado de Ego mais adequado para cruzar a transação, ou qual o estado de Ego que melhor seria atingir no outro, ou ainda ambas as coisas. Essas possibilidades, Karpman (Opções, in: Prêmios Eric Berne) chama de opções transacionais.
3 – O assunto deve mudar – significa que é fundamental que se mude o assunto. Caso o assunto inicial fosse em torno de que uma pessoa é ou não “má”, o assunto deveria ser mudado, por exemplo, para o que a outra pessoa pode fazer.
4 – O tópico anterior deve ser esquecido – significa que a mudança de assunto, bem como a mudança do estado de Ego devem continuar direcionando o novo tópico abordado, que deverá ser mais interessante do que o anterior.
É importante que a decisão da escolha da transação cruzada seja feita pelo Adulto do cliente (ou do terapeuta), uma vez que é dele a decisão de que efeito quer obter na outra pessoa, que estado de Ego quer atingir, que estado de Ego é melhor para ele no contexto, ou ainda de que maneira quer sair da transação “cerrada”. Isso implica em mudança de atitude para com a outra pessoa e não apenas representar ou simular situações.
Em nossa prática corrente usamos o conceito de transações deliberadamente cruzadas em cursos e palestras com a finalidade de evitar jogos e transações “cerradas” com participantes, que muitas vezes buscam enganchar o estado de Ego Pai ou Criança do instrutor/palestrante.
Em nossa prática clínica procuramos também mostrar ao cliente que há opções que podem ser utilizadas e que outras pessoas as utilizam. Sempre que surgem situações envolvendo transações “cerradas”, seja em terapia de grupo ou individual, buscamos direcionar o trabalho para resolver o problema de imediato, tornando a terapia mais prática e dando possibilidades ao cliente de testar, durante a semana, e trazer na sessão seguinte os resultados positivos ou negativos obtidos, momento em que será verificado sua habilidade ou não em aplicar o que aprendeu.
Um exemplo prático: mulher de 36 anos; sua queixa básica era o seu relacionamento com a sua chefe. Reclamava que não estava agüentando mais a carga imposta por ela:
Cliente (C)- Quando penso que está tudo bem, ela aparece com uma crítica a alguma coisa que eu fiz.
Terapeuta (T)- O que por exemplo?
C – São tantas coisas. Hoje por exemplo, estávamos numa reunião e ela me criticou na frente de todos dizendo que eu não tinha que me meter nos assuntos da tesouraria, pois a responsável é a funcionária fulana de tal.
T – E você está se metendo no trabalho que é de responsabilidade da funcionária fulana de tal?
C – É Claro que se eu não verificar tudo, vai sair tudo errado, ela é uma incompetente.
T – Você não respondeu ao que lhe perguntei. Quer responder agora!
C – Não estou me metendo. Acontece que a responsável pelo setor onde a tesouraria está inserida sou eu. Quando acontece algo errado ela é a primeira a dizer que a culpa foi minha de não ter verificado.
T – Qual é a sua função?
C – Sou assistente dela ( sua chefe é diretora de uma instituição ligada à Secretaria de …). Sou uma espécie de pau para toda obra. Se eu não tomar a frente as coisas não andam.
Durante as sessões seguintes ficou claro que sua chefe agia como se fosse sua mãe e ela (cliente) como se fosse a sua filha. Estavam se relacionando como se fossem mãe e filha. Sua chefe agia no PC e ela na maioria das vezes com CAR e algumas vezes na CAS.
A situação estava ainda mais crítica parece-nos que em virtude de sua chefe ser uma senhora com 65 anos de idade, solteira, sem filhos e morava sozinha. A cliente por sua vez solteira, sem filhos e também morava sozinha (sua família morava em outro estado). Inclusive dizia ter muita pena de sua chefe, pois ela era uma senhora idosa e muito só.
Direcionamos inicialmente a terapia no sentido de descontaminar o seu Adulto e fornecendo dados sobre os estados de Ego, transações e carícias, até o momento em que ela tinha adquirido informações e elementos suficientes para iniciar as investidas no rompimento das transações “cerradas”.
Em nossa prática corrente utilizamos ainda este conceito para confrontar situações como por exemplo frente a uma sedução (C-C), frente a uma transação últerior para interromper um jogo, etc.
Bibliografia:
1 – Karpman, S., Opções, in: Prêmios Eric Berne.