Script de Vida, sua relação com Compulsão e Repetição e com Gestalt incompleta ou Fixada. Nossa abordagem terapêutica com estes conceitos.

Por José Silveira Passos

Segundo Berne, ( Olá) Script é “um plano de vida baseado numa decisão feita na infância, reforçado pelos pais, justificado por acontecimentos subsequentes e culminando com uma alternativa escolhida”, p. 356. Steiner (Papéis) diz que “o Script se baseia numa decisão feita pelo Adulto da pessoa nova que, com toda a informação de que dispõe no momento, decide que uma certa posição, expectativa e curso de vida constituem uma solução razoável para a problemática existencial na qual ela se encontra. Sua problemática deriva do conflito entre as suas tendências autônomas e as Injunções recebidas do seu grupo familiar primário”, p. 61.

Script é pois, aquilo que o indivíduo planejou em sua primeira infância. A criança à medida que recebe estímulos do meio ambiente, vai estruturando uma visão de si mesma, dos outros e do mundo onde vive. Ou seja, vai tomando determinadas decisões de vida (Posição Existencial), que quanto mais cedo é tomada, mais nefasta será em virtude da fragilidade que a criança está submetida, como por exemplo o pouco desenvolvimento cortical, a dependência completa do ambiente familiar, etc.

A criança nasce com potencial para se realizar como ser humano pleno. Entretanto, devido à sua fragilidade física, neurológica e emocional, além da dependência de outras pessoas para sobreviver, como alimentação, segurança, carícias, etc., e ainda para fugir das situações que mais teme, como o medo de ser destruída, ser abandonada e não ser amada pelos pais, ela cada vez mais vai cedendo terreno às pressões externas, expectativas dos pais, etc., até desistir desse potencial.

A decisão básica é tomada, à medida em que a expressão expontânea de suas necessidades e desejos é reprimida ou resulta em não satisfação. Esta decisão resulta na criança agir através da sua fantasia da expectativa dos outros a seu respeito (são os mandatos atuando), expressando sentimentos que gerem recompensas (que são os Rackets) e manipulando para conseguir o que deseja através dos Jogos Psicológicos. Assim sendo, a pessoa cria o seu sistema de crenças que servirá de guia, e, qualquer estímulo que seja inconsistente com ele será ignorado ou modificado para adequar-se ao mesmo. O indivíduo irá agir como que atendendo à gravações internas, repetindo condutas que a levam a um final previsível, que é o Desfecho do Script.

Relação com Compulsão e Repetição e com Gestalt incompleta ou Fixada.

Compulsão, em Psicanálise é uma tendência a repetição de acontecimentos infelizes da infância. Berne entendia que a tarefa do analista de Script era libertar o indivíduo de sua compulsão de redramatizar a situação, buscando novos sentidos para suas vidas.
Script é um plano pre-consciente de vida, construído na infância precoce sob influência parental, consequentemente, sem escolha autônoma, que fica gravado como uma fita e leva a pessoa a repetir, de forma compulsiva, comportamentos aprendido na infância.

A diferença básica entre Script e Compulsão é que no Script há uma pseudo-atualização dos fatos.

Segundo Erskine (Sistema de Disfarces, Conferencia Magna…) a criança busca satisfazer as suas necessidades através da expressão emocional. É o caso da criança pequena que ainda não possui a linguagem, acorda no meio da noite com fome. A sensação é de dor, de magia. Ela chora a sua dor. Se ela foi alimentada, a gestalt fica completa e não há nenhum problema. No entanto se não for satisfeita essa sua necessidade, o choro de dor se transforma em choro de raiva, de zanga, como quem diz: “papai, mamãe, isto é sério, façam alguma coisa!”. Isto é uma raiva sadia. Se nesse momento suas necessidades forem satisfeitas, não há problemas, a gestalt estará fechada. Mas se ainda assim, a criança não for alimentada, ela intensificará a sua raiva, ficando cada vez mais excitada, o que estimulará suas glândulas que descarregarão adrenalina que será levada até o estômago pela corrente sangüínea, fazendo cessar a sensação de fome. Ou seja, ela precisou ficar enraivecida para não sentir a dor da fome.

Após isto, a criança poderá voltar a dormir, não um sono reparador, mais um sono que a impeça de sentir fome, é o que Erskine chama de fechamento fisiológico de Gestalt. É um fechamento secundário, pois a necessidade não foi satisfeita. Mais tarde quando adulta, poderá ser uma pessoa em que a sua única satisfação seja a violência. Ou seja, como a necessidade continua, sempre que o ambiente externo estimular, a pessoa repetirá, de alguma forma, a experiência que resultou no fechamento secundário da Gestalt.

O mesmo ocorre com a decisão de Script, que, fazendo parte da crença da pessoa, será repetida toda vez que um estímulo ambiental aponte para a necessidade não satisfeita (para evitar o desconforto da necessidade não satisfeita).

Nossa abordagem terapêutica.

A relação destes conceitos com a nossa abordagem terapêutica se dá em termos de atuação, quando por exemplo, o cliente que está mal, com suas patologias, de alguma maneira sofre com o que já aconteceu, ou seja, ele está encravado no passado e projetado no futuro. Por isso ele vive com ansiedade e com angústia, ele não está vivendo no presente, ele está redramatizando, ou seja ele usa as circunstância reais para redramatizar um fato do passado que ainda não foi resolvido. Isto está intimamente ligado com o processo do pensamento do indivíduo. Ou seja: a maneira como penso determina como me penso, e o que me penso determina o que sou. Isto nos remete direto ao sistema de crenças do indivíduo.

Nós somos criados em uma sociedade onde somos educados para sermos aprovados ou desaprovados. Veja como vive uma criança: quando se comporta como papai e mamãe mandou ela é aprovada. Se não, é reprovada, castigada, etc. Na escola se tirar boas notas e se comportar direitinho é aprovada, se não comportar e não tirar boas notas é reprovada, e assim vai pela vida afora.

Nosso sistema de crenças atual foi formado a partir da maneira de pensar o mundo em conformidade com a física newtoniana.

A teoria de Isaac Newton influenciou o mundo de tal maneira que tudo aquilo que não fosse lógico, linear, etc., não poderia ser considerado científico. Portando o mundo newtoniano privilegia a razão, a lógica, a explicação, a temporalidade. A realidade é vista como linear, única, imutável, etc. Perdemos muito tempo dando explicações sobre coisas inexplicáveis. Por isso ainda hoje ficamos dando explicações sobre o que fazemos, o que queremos, o que pensamos, o que sentimos, etc.

Albert Einstein mudou a maneira de ver o mundo com a sua teoria da relatividade, onde tudo é relativo e nada é único, nada é imutável, tudo é mutável.

Hoje com a teoria da física quântica, tendo como um dos precursores, David Bohm, associada ao estudo da fisiologia do cérebro por Karl H. Pribram, abrimos novos horizontes para a visão do mundo, além daquela mecanicista de Newton, para pensar e compreender em que consiste a realidade.

Esta nova teoria propõe que tudo o que existe é expressão de uma rede energética holográfica em movimento ondulatório fora das categorias de espaço e tempo. Esta rede energética ondulatória se expressa na chamada ordem “explicada” (tudo aquilo que nos aparece) e uma ordem “implicada” (tudo aquilo que constitui em energia fundante). A mente é um arranjo linear de sucessivos momentos de agora. Cada agora contém a totalidade, de acordo com a teoria Holônica.

A explicação que damos do que pensamos, sentimos, fazemos, etc., é algo que está quase ligado ao ser aprovado ou não aprovado da nossa cultura. A compulsão e repetição é um intento da mente reparar o que está errado, ou seja, é uma tentativa de fechar uma Gestalt que ficou incompleta (ou fixada). Conclusão: crescemos fazendo coisas para sermos aprovados ou não. O aprovar e o não aprovar pertence ao mundo dos valores (mundo do bom e do mau, do mundo axiológico). A explicação é algo que está quase ligado ao ser aprovado ou não.

Por exemplo, se uma pessoa me rejeita, sinto-me mal e fico sentindo-me desqualificado. Quando alguém aceita a minha explicação, eu sinto que me aceita. São dois universos completamente distintos: uma pessoa tem todo o direito de me aceitar ou não e isto não tem nada a ver com o fato de ser aprovado ou reprovado, porque aprovação e reprovação, como disse acima, pertence ao mundo dos valores. O gostar ou não gostar tem a ver com mundo das circunstâncias.

Assim sendo, nossa abordagem terapêutica é sempre direcionada para que o cliente deixe de viver sua vida no mundo dos valores (crenças, paradigmas) e passa a viver no mundo das circunstâncias. Ou seja, sair de um mundo inexistente (mundo das idéias) e passar a viver no mundo das circunstâncias (mundo do aqui e agora).

Bibliografia:

1 – Berne, E. O Que Você Diz Depois de Dizer Olá?, Nobel, São Paulo, 1988.
2 – Steiner, C. Os Papéis Que Vivemos na Vida, Editora Artenova, Rio de Janeiro, 1976.
3 – Erskine, R. Sistema de Disfarces, Conferência Magna do VII Congresso Brasileiro de AT realizado em São Paulo em 1985, in: Revista de Análise Transacional número 4 (maio/agosto), 1985, Órgão da UNAT-BR e ALAAT.
4 – Capra, F., O Tao da Física, Cultrix, S. Paulo, 1975, 1983.
5 – Capra, F., O Ponto de Mutação, Cultrix, S. Paulo, 1982.