Relações Emocionais em Psicoterapia

Jane Maria P. Costa – sint_at@zaz.com.br
Fonte: site da UNAT-BR – http://www.unat.com.br

Fonte: Este artigo foi originalmente publicado nos Anais do XVII Congresso Brasileiro de Análise Transacional realizado em Porto Alegre em 1999 – Posteriormente publicado no Jornal “Opções” número 35 de outubro de 1999.

Analistas transacionais que muito têm contribuído para o desenvolvimento da teoria e prática da análise transacional têm se voltado para a importância do contato como curador na relação terapêutica (Richard Erskine, p. Ex.) e nas relações na sociedade em geral (Claude Steiner, p. ex.).

Para abordar a importância do conteúdo emocional presente na interação psicoterapêutica, é interessante salientar o papel motivador e curador da emoção na relação. A Análise Transacional investiga as relações humanas com enfoque no exato conteúdo das interações pessoais.

Eric Berne ensinou-nos a escutar o que as pessoas dizem umas às outras. Ensinou-nos também o valor da intuição para revelar as emoções ocultas de cada um e entender melhor aquilo que as pessoas realmente pensam e sentem. Quando Berne discorre sobre como escutar (What do you say…, 1972, p. 321), diz:

“Há sempre espaço para aperfeiçoar nosso conhecimento sobre como escutar. Isto é um tipo de proposição Zen já que na maior parte depende mais do que se passa na cabeça do que escuta do que o que de fato está acontecendo do lado de fora. A parte útil do escutar é feita por aquele aspecto da personalidade conhecido como “O Professor”, o Adulto na Criança. O professor comanda o poder da intuição… O Adulto escuta o conteúdo do que o cliente diz, enquanto o Pequeno Professor escuta o caminho pelo qual ele diz”. Outro conceito fundamental que Berne nos apresentou foi o de “Criança Natural” interna, origem da nossa vida emocional. A Análise Transacional afirma ser possível saber o que quer que seja a respeito de alguém observando as interações de seus estados de ego. Esses conceitos de estados de ego e transações somados ao conceito de carícias, que são, de uma maneira geral, demonstrações de afeto, de acordo com Claude Steiner, formaram o alicerce teórico da Educação Emocional, que é o estudo analítico transacional das emoções.

Utilizarei deste conhecimento para abordar as relações emocionais na psicoterapia.

Se nos remetermos ao continuum que vai do Script (alienação abrangente) à Autonomia, poderemos considerar que, a cada etapa vivenciada na superação do script, a forma de contato de um terapeuta interativo e a empatia com seu cliente tenderão a se modificar nesta dança emocional do processo terapêutico.

Claude Steiner, em 1975, alertou-nos para a importância de determinado tipo de contato como promotor de liberação (Reading in Radical Psychiatry). New York; Grove Press, 1975). De acordo com ele, o distúrbio psicológico é equivalente à alienação, que é o resultado de opressão mistificada. Quando a opressão é aliada à consciência do que antes era mistificada (iludido, enganado), a conseqüência é raiva e um desejo de fazer algo a respeito. Assim, esta raiva é o primeiro passo saudável no processo de liberação. Mas, para Steiner, a liberação requer contato tanto quanto consciência, para produzir alguma forma de ação. Este autor chama-nos também a atenção para uma Escala de Consciência Emocional, cujo nível de maior alienação é o da insensibilidade. Insensibilidade é uma resposta natural ao trauma; a insensibilidade física decorrente de dor física é efêmera, durando no máximo alguns minutos até que a dor física tome conta. A insensibilidade resultante da dor emocional é diferente. Traumas psicológicos podem afligir com tanta freqüência que nossas mentes os repelem, congelando-nos emocionalmente, entorpecendo-nos. “Os muros psicológicos que constituímos para separar-nos da dor também nos dissociam de nossos sentimentos mais profundos. Aquilo que nos impede de sentir dor também pode impossibilitar-nos de desfrutar amor ou alegria” (Educação Emocional, Steiner, 1998, p. 28). Esta escala consta de oito níveis que vão da insensibilidade à interatividade. A interatividade emocional toma como base o nível mais sofisticado de consciência, a capacidade de perceber não apenas o que o indivíduo e os outros estão sentido, mas de antever de que maneira se dará a interação das emoções. Isto possibilita antecipar como duas pessoas diferentes, dadas suas inclinações emocionais habituais, irão reagir à determinada situação.

Em nossa vivência e atividade profissional, também auxiliados pelo conhecimento produzido sobre desqualificação, temos trabalhado refletindo sobre os níveis de engano e o contato necessário em cada etapa do processo terapêutico para superação do script de vida e liberação das motivações originais.

Na alienação abrangente, são reproduzidas as situações opressivas de script sem consciência do desconforto gerado com isso.

É o momento da repetição alienada, em que os Jogos Psicológicos parecem se colocar como a mais viável se não a única forma de relação social, e os disfarces como forma de sentir, pensar e agir. Quando o terapeuta acompanha o cliente neste dar-se conta, sabe que o próximo momento será o do desconforto pela consciência da repetição aliado à não consciência sobre a origem desta opressão (a própria repetição).

Neste segundo momento, amplia-se a consciência sobre crenças que justificam esta repetição. Aqui, o cliente evita o contato com injunções e atribuições, da mesma forma que a criança quando repete “isto não pode fazer” e evita contato com “papai não deixa”.

No terceiro momento, quando há consciência da opressão (desconforto pela repetição), consciência da origem (não pode, papai não deixa), o cliente tende a evitar a consciência sobre a possibilidade de mudanças porque isto o colocaria em contato com a expectativa de reviver a vivência catastrófica (castigo, por exemplo) e com o medo de revivê-la.

No quarto momento, quando há consciência sobre a possibilidade de mudar (que, para a criança poderia significar desobedecer, fazer diferente), o cliente pode tender a evitar a consciência sobre sua capacidade pessoal para mudar, por medo de reviver a vivência catastrófica e pela expectativa de encontrar um meio ambiente hostil e desfavorável.

No quinto momento, quando existe a consciência de sua capacidade pessoal para mudar, o contato terapêutico e cooperativo também com outras pessoas é o que garante o meio ambiente favorável e, por isso, encorajador, para produzir uma ação liberadora da motivação original. (superação do script e liberação da autonomia).

A sintonia com o cliente, com o estado emocional do cliente, em cada etapa de seu processo terapêutico, com a criança que está se mostrando naquele momento, é fundamental. E a sintonia com essa criança (Estado de Ego e sobretudo a criança histórica – diagnóstico fenomenológico) possibilita e leva o terapeuta a fazer o contato com a emoção. O terapeuta não vive a emoção do cliente, mas vive a emoção com o cliente, como um adulto interagindo com aquela criança, sentindo aquilo que ela está sentindo naquela determinada situação e sendo interativo com aquela criança em suas necessidades.

Um cliente só vai se sentir reconhecido e visto quando ele percebe que o terapeuta está reconhecendo aquela criança dentro dele, a criança que ele foi e a criança com o conflito que ele traz para a terapia. Este contato externo possibilita a ampliação do contato interno.

Acompanhar este cliente em suas caminhadas interiores, sendo interativo com aquela criança em todas as etapas, constitui uma forma de ir desfazendo os enganos acumulados que permaneceram encobrindo a consciência da opressão do script e dificultando sua superação.

Jane Maria P. Costa é Membro Didata Clínico da UNAT e ALAT.